Inclinação de João de Minas ao popular o levou ao ostracismo, revela estudo da FFLCH

Em estudo, historiador tentou descobrir porque João de Minas é tão desconhecido, mesmo tendo produzido mais de dez livros entre 1929 e 1937.

Mariana Melo / Agência USP de Notícias

A inclinação da sua produção literária para uma vertente mais popular e urbana fez com que o escritor João de Minas, pseudônimo do mineiro Ariosto Palombo, fosse considerado um escritor menor e perdesse o prestígio alcançado com a publicação de literatura sertaneja.

No estudo As mil faces de João de Minas: a construção do escritor e a repercussão de seus livros no campo literário brasileiro (1927-1989), feito na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o historiador Leandro Antonio de Almeida tentou descobrir porque João de Minas é tão desconhecido, visto que produziu mais de dez livros entre 1929 e 1937. “Percebi que seria como responder por um silêncio” diz Almeida, devido ao desaparecimento de referências sobre o autor mineiro nos meios e principais publicações literárias nacionais.

João de Minas demonstrou, em sua trajetória, tendência a se adaptar ao mercado editorial e ao consumo de literatura erudita e popular. Assim, ousava nos temas escolhidos e na linguagem para conquistar a população urbana. No entanto, essas iniciativas para se aproximar do novo público acabaram contribuindo para que os literatos da época diminuíssem João de Minas e retirassem a fama e credibilidade que ele construiu em sua primeira fase, dedicada ao sertanismo. “Seu livro de estreia ‘Jantando um Defunto’, de 1929, foi elogiado por figurões membros da Academia Brasileira de Letras, como Coelho Neto, João Ribeiro e Humberto de Campos”, conta o historiador, lembrando, no entanto, “que no inicio dos anos 1960, sua credibilidade havia sido tão afetada a ponto de ter sido barrado ao tentar à União Brasileira de Escritores, pelo então presidente da entidade Paulo Duarte”.

Histórico

Nos anos 1920, o mineiro atuava como jornalista, usando pseudônimo que remete a João do Rio, célebre cronista e jornalista brasileiro. Nesta época, envolveu-se na política oligárquica do Partido Republicano Paulista (PRP) e seus aliados em Minas e Goiás, defendendo um pensamento político conservador, o que pode ser observado em seus trabalhos publicados combativos à coluna Prestes.

Inicialmente se posicionou contrário à Revolução de 30 e a Getúlio Vargas, mas no decorrer de sua carreira foi alternando suas convicções políticas entre apoiar o governo federal e fazer oposição a ele, o que fez com que João de Minas fosse admitido como uma pessoa oportunista. “Ele passou a ser visto como uma pessoa venal” diz o pesquisador.

Na segunda fase da carreira de João de Minas, a partir dos anos 30, é possível perceber o quanto o autor aprimorou sua mistura de gêneros para aproximar-se do popular, com a entrada de elementos da literatura fantástica, grotesco, humor, romance de costumes e policial e crítica da sociedade. “Sua irreverente Coleção Revolução Sexual Brasileira incluía romances de costumes como ‘A Mulher Carioca aos 22 anos’ e também romances proletários, cujos exemplos são os livros ‘A Datilógrafa Loura’ e ‘Nos Misteriosos Subterrâneos de São Paulo’” diz o historiador. “Em busca de oportunidades, o autor captava os modismos da época e constituiu um bom indício sobre a cultura popular urbana de então”.

As tentativas de se mostrar arrojado, inclusive com a utilização de uma linguagem considerada chula pela crítica vigente, foram mal recebidas e contribuíram para que João de Minas fosse ainda mais isolado do círculo literário. No entanto, o maior agravante para que ele passasse a ser novamente enxergado como um escritor maldito ocorreu em 1935, com a sua inusitada conversão a líder espiritual e a criação da Igreja Brasileira Cristã Científica, no que viria a ser a terceira fase de sua carreira. “A criação de um igreja pode ser reconhecida como uma radicalização da sua ‘ida’ ao povo” diz o pesquisador.

A partir disso, o autor assumiu uma nova persona, denominada Mahatma Patiala, e abandonou a literatura, dedicando-se apenas a igreja, um credo que misturou esoterismo, catolicismo, espiritismo, umbanda, pentecostalismo, nacionalismo e até elementos comunistas. Chegou a fundar mais de 200 unidades no país até o final dos anos 1960.

Mais informações: email leandroaalmeida@yahoo.com.br

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