IQ analisa microorganismos da compostagem do zoológico

A degradação de material orgânico que acontece na compostagem é alvo de estudos dos pesquisadores devido a seu potencial de aplicação na indústria.

Pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da USP estão utilizando a técnica de metagenômica para pesquisar a vida microscópica da Unidade de Produção de Compostagem da Fundação Parque Zooloógico de São Paulo (FPZSP). O projeto é continuação de uma cooperação que o Zoológico firmou, em 2009, com o professor do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina (Unifesp-EPM-SP), Luiz Juliano Neto. Na ocasião ele estava interessado em analisar fezes de animais, pois havia fortes indícios de que encontraria microorganismos de interesse biotecnológico. Foi oferecido a ele, porém, amostras de compostagem orgânica, produzida no Zoológico. A amostra de compostagem era uma opção mais interessante, já que ali está havendo degradação de matéria orgânica e isso pode ter importância na aplicação industrial.

Microorganismos com aplicação industrial

Através da metagenômica é possível extrair o DNA presente em uma amostra e analisar os genomas de microorganismos que habitam determinados nichos do ambiente sem a necessidade de se isolar e cultivar cada um separadamente. Sabe-se que só 1% dos microorganismos do ambiente são cultiváveis. Assim, não é possível estudá-los, nem mesmo saber que eles existem. “Quando a abordagem metagenômica surgiu, ela possibilitou desvendar essa diversidade microbiana oculta”, explica a pesquisadora do IQ e vice-coordenadora do projeto Aline Silva.

A técnica consiste em extrair o DNA e sequenciá-lo aleatoriamente. Na primeira parte do projeto, conta Aline, foram obtidas 6 milhões de sequências de DNA. E analisadas por comparação visando predizer o que havia naquela amostra.

Mas existe uma desvantagem. “A metagenômica extrai o DNA de todos microorganismos que estavam na amostra misturados. Vem tudo junto, então depois temos que descobrir a quem pertence esse DNA”, esclarece João Carlos Setubal pesquisador do IQ e coordenador da pesquisa. Essa é uma tarefa da bioinformática, que é o processamento computacional das sequências. Depois da análise, por comparação com bancos de dados de sequências já conhecidas, é possível ter uma ideia muito boa sobre quais microorganismos participam da compostagem. “Concluímos que a maior parte dos microorganismos que estavam lá são bactérias, não encontramos muitos DNAs de outros organismos. A partir desse tipo de análise podemos fazer uma predição do potencial metabólico daquela amostra, porque se o DNA dela está lá, a bactéria está lá. E se o material orgânico está sendo degradado – esse é o princípio da compostagem – podemos assumir que essas ordens bacterianas são as responsáveis por degradar aquele material”, diz Aline.

Entender a degradação de matéria orgânica é fundamental porque esse é um processo que pode ter importância industrial. “A cana-de-açúcar, por exemplo, é essencial para a energia brasileira –  a partir do caldo obtemos o etanol. Mas existe um produto colateral: o bagaço, que é celulose. Não seria melhor pegar o bagaço da cana, colocar em um caldeirão cheio de bactérias que degradam esse material e obter adubo, fertilizante ou açúcar, que pode virar etanol?”, explica Setubal. As conclusões desse projeto foram apresentadas em um artigo publicado na edição de abril do periódico PLoS One.

A compostagem como solução ambiental

A Unidade de Produção de Compostagem foi instalada no Zoológico em 2003. Segundo o diretor técnico-científico da FPZSP, João Batista de Cruz, o parque enfrentava problemas ambientais por causa da grande quantidade de restos orgânicos (como fezes de animais e podas de árvores) que era preciso manejar. Além do problema ambiental, com a atração de ratos e urubus, o manejo desses restos orgânicos trazia muitos gastos com transporte para aterros sanitários. “A instalação da compostagem resolveu o problema ambiental e passou a produzir fertilizante orgânico, que é utilizado na fazenda do Zoológico, em em Araçoiaba da Serra”, diz Cruz.

A Unidade de Produção de Compostagem conta com 44 células de 8m3 que recebem, de maneira organizada, todo material orgânico do parque: os restos de alimentação, camas dos animais, carcaças, podas das árvores e dejetos dos animais do Zoológico. Os vegetais triturados formam a primeira camada. Em seguida, são adicionados os restos de alimentos, como frutas, verduras e os dejetos. Mais uma camada de material vegetal é adicionada. Em cima dela, vai o material animal (carnes que sobraram da alimentação e algumas carcaça). A sequência se repete, e a última camada é sempre composta pelo material vegetal. De acordo com Robson Santos, biólogo do setor de gestão ambiental do Zoológico, a camada vegetal é importante para que todo o material não apodreça e entre rapidamente em processo de fermentação.

Logo após a formação dessa pilha de material, começa a proliferação de microorganismos, e a temperatura pode atingir 70°C. Outros fatores que interferem no processo de compostagem são os níveis de oxigênio e umidade. Todos esses indicadores são controlados pela equipe do zoológico. O material demora cerca de 60 dias para atingir a temperatura ideal, entre 45°C e 60°C. Ele é revirado e é preciso mais 30 dias para que o processo de degradação se complete. Após 90 dias, a compostagem é retirada das células para que resfrie. “A degradação desse material é um processo natural. O que fazemos aqui, com a organização dessas camadas, é acelerá-lo”, diz Santos. O fertilizante orgânico que resulta da compostagem é enviado à fazenda do Zoológico, onde são produzidos os alimentos do animais.Um pouco desse material é usado na jardinagem do parque.

Para João Batista da Cruz, a compostagem no Zoológico tem um diferencial. “Ela é muito específica. A compostagem comercial é composta por fezes de boi, de frango, de cavalo. Mas essa daqui tem bactérias de tudo quanto é intestino de bicho: elefante, rinoceronte, girafa, etc, além da fauna e flora nativa da Mata Atlântica brasileira”, diz.

Essa especificidade atraiu a atenção do pesquisadores da Unifesp. O convênio deu certo e atualmente existem mais projetos de pesquisa com outras instituições.

Além da Unifesp e USP, outras Universidades desenvolvem pesquisas em cooperação com o Zoológico, entre elas a Unesp, campus de Jaboticabal e a UFSCar, nos campos da genômica e genética da evolução, respectivamente. “O papel do Zoológico é oferecer aos pesquisadores seu conhecimento na área de manejo de animais silvestres e o espaço dos laboratórios, sem ter um vínculo com a pesquisa acadêmica. Pretendemos sempre desenvolver a pesquisa aplicada desde que haja interesse comum entre os pesquisadores a Fundação”, finaliza Paulo Magalhães Bressan, diretor-presidente da Fundação Parque Zooloógico de São Paulo.

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