Astrobiologia, nas fronteiras do conhecimento e do universo

Série de reportagens conta um pouco do que se anda pesquisando nas universidades, especialmente na USP, sobre a probabilidade de haver vida extraterrestre.

Em muitos aspectos, o químico Fabio Rodrigues corresponde ao que imaginamos de um típico cientista: trabalho árduo, fascinação pelo conhecimento, e uma boa dose de prudência cética.

Mas duas coisas – além, é claro, da carreira promissora – o destacam em meio a outros pesquisadores. Uma delas é o tema que investiga: astrobiologia, área ainda relativamente nova no país. A outra é a vontade de popularizar o conhecimento – para nossa sorte, já que é o que vai nos ajudar a entender do que se trata seu incomum objeto de pesquisa.

A astrobiologia, explica o pós-doutorando do Instituto de Química (IQ) da USP, tem como objetivo entender origem, evolução, distribuição e futuro da vida na Terra e, eventualmente, fora dela. Estas são perguntas já bem antigas, mas que pedem uma abordagem multidisciplinar – o que faz da astrobiologia muito mais um “novo enfoque de antigos temas” do que propriamente uma nova disciplina. E é por isso que entre a comunidade de astrobiólogos encontramos físicos, químicos, biólogos, astrônomos, geólogos, cientistas planetários e, inclusive, filósofos.

Pesquisador do Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) em Astrobiologia, Fabio conta um pouco das origens deste novo enfoque, explicando que, no século XX, os avanços na microbiologia ajudaram a delimitar melhor os limites da vida. “Não era mais preciso ver num local um cachorro ou uma planta, por exemplo, para dizer que lá havia vida, e em locais considerados impossíveis de ter vida, descobriu-se haver uma interessante diversidade microbiana”, diz.

Durante o avanço espacial, muitas missões foram lançadas, sobretudo a Marte, que era um planeta próximo à Terra e considerado passível de abrigar vida. Paralelamente, o desenvolvimento da medicina espacial se deu no sentido de conhecer os efeitos dos ambientes localizados fora da Terra no ser humano. “A Nasa concluiu que era necessária a investigação do efeito de ambientes espaciais em organismos vivos, e incluiu nessa tarefa a busca por vida extraterrestre, tanto para efeitos de proteção da Terra quanto para evitar a contaminação cruzada”, conta o astrobiólogo.

É aí que, para se diferenciar da biologia convencional, nasce a exobiologia, que mais tarde se desenvolveria como astrobiologia. “Para alguns autores, a vida não só é possível fora da Terra, como é um ‘imperativo cósmico’. A química, a física, a geologia, entre outros, é universal. Não haveria, então, razões para a biologia também não ser”, justifica.

Desde o último século, diversos cientistas têm dado cada vez mais credibilidade ao tema da vida extraterrestre, entre os quais se destacam J. Carl Gauss, Nikola Tesla, Svante Arrhenius, Erwin Schröredinger, e EnricoFermi. Somado a isso, enraizamento desse tema na cultura popular motiva as buscas e o investimento.

O que? Onde?

Para encontrar algo, primeiro é preciso definir o que se está procurando. O que à primeira vista parece uma afirmação óbvia, não é tão simples assim. Primeiro porque não existe um conceito fechado para determinar o que é vida. “O único consenso é a respeito do que a vida como a conhecemos precisa para se desenvolver na Terra: os elementos básicos, as fontes de energia, e como funciona o metabolismo dos seres vivos aqui”, explica o cientista. Assim, se outras formas de vida forem muito diferentes da que conhecemos na Terra, podemos nem conseguir identificá-las.

Parte-se então para as próximas perguntas: quais corpos celestes podem abrigar vida? E como encontrar um deles com condições de abrigá-la? Para respondê-las, criou-se o conceito de zona de habitabilidade, região ao redor de uma estrela com condições para a vida se desenvolver – ou seja, cuja temperatura permita a existência de água líquida. “Não é um conceito absoluto, mas serve para nortear as buscas por vida, sobretudo fora do Sistema Solar”, ressalva Fabio. Em nosso sistema, pode-se dizer que o planeta Marte e a lua Europa são dois fortes candidatos a serem ou terem sido habitados no passado.

Bioassinaturas

Particularmente em seus estudos, Fabio tem procurado entender a resposta metabólica de diferentes seres vivos a diferentes condições ambientais. Os principais microrganismos utilizados como modelo são os extremófilos, aqueles que sobrevivem a ambientes extremos da Terra.

“As condições de outros planetas ou luas não são tão amenas quanto as da Terra, então precisamos entender as estratégias de sobrevivência destes extremófilos, para transpor à vida fora da Terra.”, explica. A ideia é relacionar as características da vida em locais como o deserto do Atacama com Marte, ou a as profundidades das fossas oceânicas com os prováveis mares existentes em Europa. “Sabendo como a vida responde na Terra, podemos procurar possíveis moléculas de origem biológica, as bioassinaturas”. Estas podem ser detectadas remotamente ou por meio de sondas enviadas aos ambientes, como a Curiosity, atualmente estudando a superfície marciana.

A identificação pode ser realizada com o uso da espectroscopia, método que se baseia na interação da luz com uma amostra de material. Como diferentes faixas de energia causam diferentes efeitos nos átomos e moléculas, há um grande números de técnicas que podem ser usadas para se obter informações a respeito de uma estrela ou de um planeta. E assim, de buscar sinais de planetas habitáveis, entendendo sua geologia e procurando as bioassinaturas.

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