Na EEFE, cinema traz novas perspectivas para se pensar o corpo

Departamento de Pedagogia do Movimento do Corpo Humano da EEFE realiza no Cinusp debates e exibições de filmes que refletem sobre o corpo.

Com o perdão do trocadilho, mas o projeto Cinema e Corpo, da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP, vem ganhando cada vez mais corpo. É assim que Soraia Chung Saura, professora do Departamento de Pedagogia do Movimento do Corpo Humano da EEFE e uma das idealizadoras do projeto, define os rumos da iniciativa que, uma vez por mês, exibe no Cinema da USP Paulo Emílio (Cinusp) filmes que trabalham o corpo e mais algum tema relacionado. As sessões são sempre seguidas de debates com convidados.

A ideia surgiu em 2011, quando Soraia e Ana Cristina Zimmermann, também professora do Departamento, buscavam novos elementos para pensar o corpo de uma forma não tão biológica, mas com outras perspectivas ligadas também às Humanidades. “Como o corpo é o objeto de estudo de várias áreas do conhecimento, pensamos em um projeto para iniciar esse diálogo por meio da linguagem do cinema”, conta Soraia. Ela explica que nosso corpo e identidade se constituem na sociedade a partir de imagens e, nesse sentido, o cinema se apresenta como uma referência muito forte de imagens corporais e do movimento.

Inicialmente, as professoras pensaram em realizar as exibições na própria EEFE, mas a parceria com o Cinusp permitiu estruturar melhor o projeto. “Esse diálogo com o Cinusp é bom porque incentiva os alunos daqui a circularem mais pela USP. Como a EEFE fica logo na entrada da Cidade Universitária, muitos acabam vivenciando pouco o campus”, afirma Ana Cristina. Ela destaca também a possibilidade maior que o Cinusp oferece de agregar interessados no projeto – sejam atraídos pelos palestrantes ou pelos filmes em si – vindos de outras unidades da USP ou até de fora da Universidade. “Tem um público da Escola fiel ao projeto, mas é também para quem gosta de cinema. E é justamente essa a ideia do diálogo, que enriquece muito o debate. Para os nossos alunos têm sido sempre uma descoberta. O intercâmbio levanta questões a que eles não estão acostumados”, aponta Ana Cristina. Soraia chama a atenção para a possibilidade de imersão que uma sala como a do Cinusp oferece ao destacar o ambiente escuro, a tela grande e o filme em película. Tudo isso em um processo que é individual de cada espectador, mas, simultaneamente, coletivo.

Cinema e Corpo já exibiu desde o sádico Saló ou os 120 dias de Sodoma, do diretor italiano Pier Paolo Pasolini, até o cativante japonês O que eu mais desejo, de Hirokazu Kore-Eda. Para poder direcionar a escolha dos filmes, Ana Cristina e Soraia fizeram uma pesquisa diagnóstica entre alunos e professores da EEFE para identificar o tipo de filme a que estavam acostumados. “Nosso projeto casa com o do Cinusp, que tem como um de seus objetivos a formação de público para o cinema. Como pela pesquisa percebemos que nosso público está familiarizado com um cinema mais comercial, buscamos filmes que fujam dessa linha, mas que também não sejam conceituais demais”, explica Soraia. “Os filmes precisam ser acessíveis, mas não comerciais, porque a isso eles já têm acesso”, completa Ana Cristina.

Como o tema do “corpo” é muito presente, os palestrantes convidados são das mais diversas áreas, como psicologia, filosofia e cinema. A ideia, segundo Soraia, é pensar um corpo mais ampliado, não técnico ou apenas do movimento mecânico, mas “um corpo no mundo, um corpo em relação, um corpo vivo”.

Por isso, encontrar professores dispostos a debater o assunto não é tarefa difícil. “Eles ficam muito empolgados, pois na Universidade acabamos tendo pouca conversa entre áreas em torno de um mesmo objeto de pesquisa. As unidades e os departamentos tendem a se fechar”, aponta Soraia. Para ela, ao propor essa discussão e troca, o projeto se aproxima do objetivo de uma Universidade. “Universidade é diálogo, é reflexão”, define.

Para o futuro, Ana Cristina e Soraia têm a ideia de organizar um seminário em torno do tema e uma publicação. Esta já está em processo de elaboração, em um livro da coleção Cadernos do Cinusp contendo textos dos palestrantes do projeto. “Um projeto animador. Trabalhoso, mas animador”, avalia Soraia.

Próxima sessão

O próximo filme do projeto será exibido no dia 26 de junho, quarta-feira, às 19 horas. O tema é “Corpo e Identidade” e o nome do longa não poderia ser mais sugestivo. “Corpo”, dirigido por Rossana Foglia e Rubens Rewald, professor do Departamento de Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, conta a história de um médico legista em crise com a profissão que fica obcecado quando um cadáver intacto é descoberto em meio a ossadas de inimigos políticos executados durante o regime militar brasileiro.

Rewald explica que os diretores pensaram o filme a partir do conceito de dramaturgia em camadas. São três camadas basicamente: a do corpo, a do discurso político – o que restou dos anos 1960 e da ditadura militar tanto em relação ao autoritarismo quanto às utopias –, e a do filme de investigação, que é o médico tentando descobrir por conta própria a identidade e história daquele corpo que o assombra.

O corpo aparece no filme sob diversas formas. É expressão de ideias, sexualidade e memória. “Não acredito na reencenação daquele período para falar sobre a ditadura. Para mim, se quisermos falar do passado, devemos pensar então como este passado encontra-se no contemporâneo”, afirma Rewald. O corpo surge assim como um resíduo da memória, é passado e presente. O filme procura pensar “como nossa sociedade invoca a memória e até que ponto o passado influencia o presente”, explica o diretor.

A respeito da relevância do tema, Ana Cristina conta que na EEFE, tradicionalmente, os estudos de anatomia eram feitos com corpos mortos e até partes de corpos. “Aquele corpo não é de ninguém. Mas é preciso fazer uma transferência, porque depois o aluno vai dar aula em academia ou escola e lida com pessoas, um corpo vivo com muita identidade, que traz uma história, cultura, elementos psíquicos e está em movimento”, aponta a professora.

Rossana Foglia e Rubens Rewald estarão presentes no debate após a sessão. O Cinusp fica na Rua do Anfiteatro, 181, Colmeia – Favo 04, Cidade Universitária, São Paulo.

Mais informações: http://cinemacorpo.blogspot.com.br

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