Quatro milênios pensando na vida lá fora

Série de reportagens conta um pouco do que se anda pesquisando nas universidades, especialmente na USP, sobre a probabilidade de haver vida extraterrestre.

No dia 15 de fevereiro deste ano, um enorme meteoro explodiu a 24 quilômetros de altura sobre a cidade russa de Chelyabinsk. Foi uma surpresa total para a comunidade científica, que aguardava para o mesmo dia a aproximação máxima com a Terra do asteróide 2012DA14, apenas 27 mil quilômetros acima de  Sumatra – na verdade a maior aproximação de um asteróide já registrada. E os dois eventos não eram relacionados. Uma coincidência cósmica! O asteróide tinha um diâmetro de 30 metros e uma massa de 40 mil toneladas. Já o meteoro era bem menor – 11 mil toneladas e um diâmetro de 18 metros. Mesmo assim, a energia de sua explosão foi imensa: 440 ktons.

Mas o que tudo isso tem a ver com vida extraterrestre? “Estes fatos têm importância para a astrobiologia, que estuda, entre outras coisas, o impacto dos eventos cósmicos sobre a vida terrestre”, explica Amâncio César Santos Friaça. Professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Friaça tem a astrobiologia entre suas áreas de pesquisa – e foi convidado pelo Centro Interunidade de História da Ciência (CHC) a falar sobre a história do pensamento relacionado à vida alienígena.

“Eventos catastróficos interagem com a Terra e a evolução da vida no planeta. Isso pode representar tanto processos de extinção, quanto transporte de material de um planeta para outro”, completa o pesquisador.

De acordo com o professor, a ideia de destruição recorrente é algo desagradável ao pensamento ocidental desde que adotamos a visão gradualista das coisas, e por muito tempo ficou restrita aos escritores de ficção científica. Até que, em 1980, o físico estadunidense Luis Alvarez e seu filho, Walter Alvarez, propõem a hipótese de que a destruição dos dinossauros tenha sido causada pela queda de um asteróide. Desde então, passou-se a reconhecer a importância de eventos de extinção globais para a evolução da vida na Terra. “O que antes era ficção científica se tornou ciência”, diz.

Panspermia

A panspermia é uma teoria sobre a difusão da vida por toda a parte, e foi sugerida por Anaxógoras (500 – 428 aC). “Ele propôs uma cosmografia em que o Sol seria uma bola de fogo. E que haveriam sementes de vida transmitidas de uma parte a outra do corpo. Tal proposta foi incorporada posteriormente por Arrhenius, Prêmio Nobel de química. Segundo este cientista, existe o transporte de material de uma parte a outra do Universo, e o germes seriam impulsionados pela luz.

Friaça conta que a hipótese ganhou uma forma propagandística em 1996, com o anúncio feito pela Nasa da descoberta de supostos microfósseis de organismos no cometa ALH84001. “Muitas críticas foram feitas porque se tratava apenas de uma semelhança morfológica superficial. Foi uma informação precipitada”, avalia.

Mais recentemente, o âmbito da panspermia aumentou. Os meios de transporte, além de meteoritos, podem ser cometas e até poeira interplanetária. “Ao invés de termos uma forma de vida, poderíamos simplesmente ter moléculas biogênicas”, comenta.

Experimentos têm tentado descobrir quais formas de vida seriam capazes de sobreviver no espaço e à entrada na Terra. Cianobactérias não resistiram à reentrada na Terra, mas vários outros microorganismos sobreviveram no espaço por longos períodos.

Era clássica

Segundo o filósofo Epicuro, a vida deve estar presente em todas as partes do universo. A sua “Carta para Heródoto” diz que, se existem sementes para a vida na Terra, não há por que não existirem em outros lugares.

Aceitando a universalidade da vida, obras de outros autores clássicos se aproximam da ficção científica. Luciano de Samósata (125 – 180 dC – data incerta) escreveu, em “História Verdadeira”, a história de uma expedição em que um navio vai parar na Lua. Lá, descobre-se que existe uma guerra cósmica entre o Império do Sol e o Império da Lua por causa da colonização de Vênus. “É uma obra satírica, que traz elementos que são encontrados na ficção científica: viagens espaciais, encontros com alienígenas, colonização de planetas e desejo pela exploração do universo”, afirma o professor.

Em o “O Sonho de Cipião” (54-51 aC, parte de “A República”), de Cícero (106 – 43 aC) o avô adotivo do Cipião, o Jovem, aparece-lhe em um sonho e o leva para uma viagem extraterrestre. O avô adverte que a Terra, comparada com as outras esferas, é diminuta, e vai destruindo qualquer vaidade que o neto poderia ter. A obra exibe uma noção de imensidão do Universo, que foi transmitida para a Idade Média.

O outro cósmico

Em 1543, com a publicação da obra magna de Copérnico, “Da Revolução dos Orbes Celestes”, acontece a planetarização da Terra. No sistema heliocêntrico, a Terra é vista como um planeta. Assim, os planetas podem ser “outras Terras”. Inaugura-se a revolução copernicana, a mãe de todas as revoluções, como celebra 420 anos depois o “Da Revolução” de Hannah Arendt. O “Da Revolução” copernicano dá origem ao otimismo cósmico e surge uma série de obras que visitam planetas habitados: “Somnium”, de Kepler, e “L’Autre Monde”, de Cyrano de Bergerac, entre outras.

Desde essa época questiona-se sobre quem seria o outro cósmico. “Nós estamos acostumados com a ideia de uma superinteligência, mas também há visões satíricas. Pode-se imaginar um outro cósmico absolutamente estúpido. Um ser longevo e senil que fica parado e não pensa. O outro cósmico pode ir do anjo cósmico ao predador high-tech. Todas as possibilidades estão presentes”, diz Friaça.

Guerra Fria

No século XX, o questionamento que surge é ‘onde está todo mundo?’. A ideia de Império contra Império em um nível cósmico é muito anterior à Guerra Fria, mas é nesse período em que a noção ganha apelo popular. Enquanto isso, na ciência, a ideia de vida extraterrestre passa a ser vista com ceticismo.

Em 1950, no auge dos relatos de avistamento de discos voadores, surge o Paradoxo de Fermi. O físico italiano calcula qual a dificuldade que a vida extraterrestre, se existisse, teria para entrar em contato com vida em outros lugares. “A escala de tempo típica em astronomia e astrobiologia é o bilhão de anos. Então, a possibilidade de você estar em uma janela de comunicação é extremamente restrita”, explica.

Em relação à localização dessas inteligências, o professor cita a “hipótese do zoológico”. Segundo essa teoria nós estaríamos vivendo em um zoológico preservado. “Parece um termo meio estúpido, mas é possível fazer contas a respeito disso, ou seja, é possível verificar a possibilidade disso ser verdade. É por isso que ultimamente a exploração da vida extraterrestre se deslocou da procura por inteligência para ideias bem mais modestas”, diz.

“Os humildes herdarão o universo”: extremófilos

O extremófilo arquetípico é o Deinococcus radiodurans, que primeiro foi notado como um limo crescendo no interior de reatores nucleares. É uma bactéria que consegue sobreviver em ambientes onde outras formas de vida morrem. “Essa capacidade é essencial quando consideramos os processos envolvidos na panspermia”, ressalta o pesquisador. Algumas bactérias, por exemplo, podem ficar dormentes entre 20 e 40 milhões de anos. Entram no estado desidratado e depois voltam à vida. “A busca pela vida extraterrestre agora se concentra nessas pequenas criaturas”, afirma.

Há também a possibilidade de que exista uma biosfera paralela à nossa. Basta que haja uma biosfera paralela com uma bioquímica distinta da nossa forma de vida para que não seja mais possível reconhecê-la. “Aí vem a sombra da ficção científica, que traz a ideia de que o alien não está lá fora, mas dentro de nós. E que os nossos testes para identificar a vida não conseguem identificar essas formas”. Um outro modo de estudar a vida extraterrestre, segundo o pesquisador, poderia ser reconhecer “as visitas que ela já nos fez e poderia estar nos fazendo agora”, conclui.

Colaborou: Gabriela Malta Félix

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