Representação do negro no cinema não aborda discurso racial, aponta historiadora

A análise de dois filmes nacionais, Rio Zona Norte, de Nélson Pereira dos Santos (1957); e A Grande Cidade, de Carlos Diegues (1966), permitiu à historiadora Carolinne Mendes da Silva avaliar e discutir a representação do negro no cinema brasileiro e o pensamento crítico da sociedade da época e dos dias de hoje.

Antonio Carlos Quinto / Agência USP de Notícias

A análise de dois filmes nacionais, Rio Zona Norte, de Nélson Pereira dos Santos (1957); e A Grande Cidade, de Carlos Diegues (1966), permitiu à historiadora Carolinne Mendes da Silva avaliar e discutir a representação do negro no cinema brasileiro e o pensamento crítico da sociedade da época e dos dias de hoje. Além de estudar os dois filmes em si, a pesquisadora também analisou as críticas dos especialistas e os objetivos dos dois cineastas em relação à situação do negro no contexto social brasileiro.

Segundo a historiadora, em “Rio Zona Norte”, Nélson Pereira dos Santos teve uma preocupação realista na intenção de dar um “novo destaque” ao negro em relação à população da época. A história conta a trajetória de Espírito, um compositor de samba desconhecido, vivido pelo ator Grande Otelo. “Trata-se de um filme melodramático em que o cineasta coloca o personagem negro como principal, juntamente com outros dois personagens brancos”, lembra a historiadora. Para Carolinne, Nélson Pereira dos Santos até pode ter tido uma preocupação em mostrar o tema racial, mas o que ficou foi a abordagem em relação à cultura popular.

A mesma preocupação pode ser percebida no filme “A Grande Cidade”, de Carlos Diegues. O cineasta traz a história de quatro migrantes do sertão nordestino e conta suas dificuldades ao viverem no Rio de Janeiro. Entre eles, o negro Calunga, interpretado pelo ator Antonio Pitanga, mostra-se o melhor adaptado à vida na cidade grande. “Apesar de o filme mostrar a mesma preocupação de abordar o tema racial, o objetivo principal, neste caso, foi o de fazer uma revisão crítica do cinema novo”, conta a historiadora.

As críticas

Para avaliar as críticas, tanto da época em que foram lançados os filmes, como atualmente, Carolinne recorreu a acervos da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, e da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio de Janeiro. “Na época em que foram exibidos pela primeira vez, a questão do negro ainda não era levada em conta”, relata. “Percebe-se que as opiniões eram mais em relação à estética e sobre aspectos técnicos dos filmes ou sobre o conteúdo focado nas classes populares”, observa, ressaltando que nas críticas atuais já é perceptível uma preocupação maior com a questão do negro e da “democracia racial”. Além dos acervos, a historiadora também recorreu a publicações e estudos sobre os filmes.

Rio Zona Norte é considerado um filme inspirador e A Grande Cidade um filme pertencente ao movimento denominado Cinema Novo, que teve influência do neo-realismo italiano, iniciado no começo da década de 1950. Um marco divisório entre as duas obras, no entanto, foi o início da ditadura militar. Enquanto o filme de Pereira do Santos nasceu antes do golpe, o de Diegues surge em plena ditadura.

“Neste sentido, o filme de Diegues talvez tenha sido visto de forma diferenciada. O golpe provocou uma espécie de revisão de engajamento, levando artistas e intelectuais a se questionarem”, observa a pesquisadora.

Carolinne reconhece que hoje a questão do negro é mais abordada e estudada, mesmo em relação ao cinema e à sua contribuição para a cultura. “Contudo, todo este reconhecimento ainda passa pelo viés da miscigenação”, diz.

Mais informações: email carolinnemendes@gmail.com

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