Pesquisa do IP mostra que eventos do passado influenciam opção por permanecer solteiro

Solteiros podem estar inconscientemente desencorajados, além de apoiados pelo contexto sociocultural moderno.

Mariana Melo/ Agência USP de Notícias

Análises psicanalíticas permitiram à psicóloga Sandra Aparecida Serra Zanetti perceber que pessoas que se definem como “solteiros por opção”, ainda que respaldadas por uma modernidade mais individualista e narcísica, têm acontecimentos passados que, de forma inconsciente, as influenciam a não criar vínculos amorosos.

Esses solteiros, atualmente, estão mais à vontade para assumir sua opção sem serem julgados. “Antigamente, se um homem permanecesse solteiro, ele era criticado, mas hoje em dia, ele tem mais liberdade para tomar essa decisão” diz a psicóloga, que também é professora na Universidade Estadual de Londrina (UEL). A pesquisa de doutorado foi realizada no Instituto de Psicologia (IP) da USP e orientada por Isabel Cristina Gomes.

No caso de rejeição da construção de vínculos amorosos, Sandra buscou verificar a formação da subjetividade tanto pelo contexto sociocultural quanto por análise psicanalítica. “Como conteúdos inconscientes interferem na maneira como nos comportamos?” questiona.

Para formular o cenário sociocultural deste posicionamento, a pesquisadora consultou obras de autores contemporâneos como Zygmunt Bauman e Anthony Giddens. Para ela, esses autores ajudam a desenhar a sociedade contemporânea. “Procurei fazer uma triagem do que era descrito por estes autores para caracterizar comportamentos dos solteiros” diz.

A investigação ajudou a definir modos de se comportar. “Os fenômenos encontrados foram: o modelo tecnológico, o consumismo e o narcisismo moderno”, conta. No modelo tecnológico, Sandra descreve adultos que “sem se darem conta, elegem o modelo do computador para assumir as diversas tarefas do dia a dia”. Já o consumismo faz com que as pessoas se tratem como mercadorias, substituíveis e volúveis. No narcisismo moderno, o modelo competitivo da sociedade impele que as pessoas ajam voltadas prioritariamente para si, garantindo assim, “uma forma de sobreviver frente às exigências atuais socioculturais”.

De 20 participantes iniciais, Sandra selecionou seis, 3 homens e 3 mulheres, com idades entre 25 e 35 anos, para garantir um viés mais qualitativo ao trabalho. Nas entrevistas individuais, que funcionaram como sessões psicanalíticas, procurou sondar por acontecimentos passados mais específicos que pudessem ter influência na opção por ser solteiro. “Atrelei essas três características com a forma de vida de cada um”, esclarece.

O que percebeu é que, apesar da maior liberdade por continuar solteiro, fatos ocorridos guiavam essa opção nos participantes, de forma inconsciente. Sandra citou, como exemplo, o divórcio tumultuado dos pais dessas pessoas, quando elas eram mais jovens.

Modernidade

Ainda assim, a pesquisadora não deixa de salientar como a modernidade transforma as formas de relacionar das pessoas. Hoje, em geral, as pessoas não se veem obrigadas a casar, ou seja, têm mais opções de escolher como querem viver, e isso, para a pesquisadora, é positivo. No entanto, diz, “carregamos o peso de tomar essas decisões. Estamos mais sozinhos e mais exigentes. Estamos mais suscetíveis e sem suporte”.

Na estruturação narcísica, as pessoas estão tão preocupadas consigo mesmas que veem relacionamentos como um incômodo. Elas preferem, segundo a pesquisadora, se centrar em tarefas cotidianas próprias e abrir mão de vínculos que as distraíssem de alguma forma.

A formação de um vínculo exige lidar com frustrações diante da projeção de características no parceiro, que não se provam reais. “Nunca conhecemos alguém de fato. Isso é da condição humana”. Essa dificuldade diminui a capacidade de construir e manter vínculos e, nessa fragilidade narcísica, a decepção e o sofrimento se tornam um fardo supervalorizado. “É como se essas pessoas não pudessem se expor. Elas se fecham para a realidade”, diz Sandra, e continua: “Essa interferência [relação], mesmo que resulte numa decepção, pode ser boa, pois traz amadurecimento e desenvolvimento de recursos psíquicos para lidar com a frustração. Ou seja, um enriquecimento que dá bagagem para enfrentar dificuldades. Perde-se ao não se vincular”, finaliza.

Mais informações: email sandra.zanetti@gmail.com

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