Estudo da Esalq observa estado nutricional de crianças do ensino público

Estudo busca analisar analisar o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) nas escolas públicas municipais de Guariba.

Caio Albuquerque / Assessoria de Comunicação da Esalq

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é o maior e mais tradicional dos programas públicos na área de alimentação e nutrição e integra a política de segurança alimentar e nutricional do país. No entanto, segundo a nutricionista Maria Julia de Miguel Amistá, existe uma lacuna de informações sobre a situação nutricional de crianças e adolescentes de municípios de economia rural. “Uma dessas cidades é Guariba (SP), na região de Ribeirão Preto, que passou em meados da década de 1980 por um processo revolucionário e organizativo no setor sucroalcooleiro apelidado de “Greve dos Boias Frias” lembra Maria Julia.

Com objetivo de analisar o PNAE nas escolas públicas municipais daquela cidade, Maria Julia desenvolveu estudo no Programa de Pós-graduação de Ciência e Tecnologia de Alimentos, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). Com orientação de Marina Vieira da Silva, docente do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição (LAN), a pesquisadora observou operacionalização e impacto do PNAE sobre a situação nutricional dos alunos, além de avaliar as condições socioeconômicas e a situação de segurança alimentar e nutricional das famílias em que estes alunos estão inseridos. “O estado nutricional dos alunos foi avaliado de forma pormenorizada tendo em vista a crescente prevalência do excesso de peso/obesidade entre crianças e adolescentes brasileiros”, conta a autora da pesquisa.

Foi realizado um estudo transversal com 425 crianças, com idades entre 7 a 16 anos, matriculadas em seis escolas municipais de Guariba. Nesta etapa, elas passaram por avaliação antropométrica (peso e altura), avaliação da merenda escolar (adesão da alimentação oferecida pela escola), avaliação da habitualidade quanto ao consumo na escola de alimentos levados de casa ou comprados em locais comerciais durante o deslocamento casa-escola e avaliação da atividade física (modalidade e tempo bem como da inatividade/sedentarismo).

Os pais ou responsáveis pelas crianças também responderam um questionário relativo às condições socioeconômicas da família. Neste instrumento foram apresentadas questões sobre a Segurança Alimentar no domicílio (EBIA – Escala Brasileira de Medida da Insegurança Alimentar). “As merendeiras das escolas também foram entrevistadas com a finalidade de traçar o perfil das executoras diretas da alimentação escolar do Município e constatar o conhecimento das mesmas sobre o Conselho de Alimentação Escolar (CAE). Os membros do CAE também participaram do trabalho com a finalidade de obter informações sobre a execução do PNAE no município”, complementa.

O estudo identificou baixa condição econômica dos alunos, uma vez que 90,88% das famílias possuem rendimento per capita menor que R$ 600,00, valor inferior ao salário mínimo vigente. O Programa Bolsa Família foi o programa de transferência de renda mais citado pelas famílias (80,63%). Foi possível verificar a regularidade na distribuição da merenda escolar em todas as escolas integrantes da pesquisa. A adesão ao PNAE pode ser considerada expressiva (85,65%) bem como o reconhecimento da importância do Programa pelos alunos (91,76%). “Porém a proporção de adesão efetiva (consumo nos cinco dias da semana) mostrou-se relativamente reduzida (38,19%), fato relacionado com a proporção elevada dos alunos (61,33%) que alegaram não consumir a refeição por não gostar dos alimentos e/ou preparações oferecidos na escola”.

Insegurança alimentar

Entre as principais conclusões da pesquisa destacam-se também a elevada prevalência de excesso de peso dos alunos (46,35%) e a proporção de obesos (24%). O que talvez explique essas proporções é que, da totalidade, 28,71% dos alunos afirmaram levar alimentos de casa para o consumo na escola e 20,71% alegaram comprar alimentos nas proximidades para levar para a escola. O local mais citado para a compra de alimentos foi o bar (86,36%), devido à proximidade desses tipos de estabelecimentos com as escolas. “Os alimentos mais citados nessas condições foram biscoitos/bolachas/bolo e salgadinhos de pacote/pipoca, alimentos invariavelmente conhecidos como de baixo valor nutricional e de alta densidade calórica devido à composição rica em açúcares simples e gorduras”, destaca Maria Julia. No caso das meninas, soma-se ainda o fato de que 33,88% delas demonstrou tendência ao sedentarismo. Para os meninos, essa proporção foi um pouco menor, pois 74,62% declararam assiduidade à prática esportiva. A média em minutos dedicada semanalmente à prática de atividade física foi de 114,83. Para as atividades passivas, a média foi de 6,22 horas de assistência à televisão diária (nos dias de semana); a média semanal para o videogame foi de 1,58 horas e para o computador 154,15 minutos.

Qualificação profissional

Quanto às merendeiras, Maria Julia identificou que há um número substancial de contratadas como auxiliar de escola e não para a função de merendeira. Também foi constatado que além dos alunos outras pessoas se beneficiam da alimentação ofertada gratuitamente nas escolas, como servidores docentes e não docentes da Prefeitura Municipal. No que diz respeito ao CAE, os membros mostraram pouco conhecimento da legislação sobre as atribuições do Conselho e competências a serem realizadas no âmbito do PNAE, fato atribuído à falta de capacitação oferecida aos conselheiros. A maioria alegou que a tomada de decisão no Conselho tem como base os interesses dos alunos (62,5%) e metade acredita que a forma de atuação do Conselho pode ser diferente, mas não sabe como poderia ser essa mudança. “No tocante ao cumprimento da aquisição de gêneros alimentícios diretamente da Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar Rural, a maioria dos conselheiros relatou que acredita ser inviável de fornecimento regular e constante dos gêneros alimentícios e também o desinteresse dos produtores/empreendedores da agricultura familiar”, revela a pesquisadora.

Para a orientadora do trabalho, a diversificação aos instrumentos empregados na obtenção dos dados confere caráter pioneiro ao estudo. “Além disso, os resultados obtidos contribuíram para o conhecimento do estado nutricional dos escolares da rede pública municipal de ensino e deve contribuir para que gestores de políticas/programas públicos, bem como a comunidade (CAE, Diretores, Secretaria de Ensino) possam avaliar alternativas para a melhoria da gestão do Programa, com vistas ao melhor atendimento nutricional dos alunos”, conclui. Para a realização do estudo, Maria Julia de Miguel Amistá recebeu bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Carta Guariba

A Greve dos Boias Frias teve fim com a assinatura da “Carta Guariba”, que garantiu aos trabalhadores braçais do corte de cana, entre outros benefícios, descanso semanal, 13º salário, carteira assinada e aumento de salários. Ainda hoje há um grande contingente de migrantes vindos da região Nordeste do País e do estado de Minas Gerais, que tentam melhores condições de vida no município por meio do trabalho nos canaviais e usinas da região. Mesmo tendo sua economia apoiada no setor agrário, apenas 2,08% da população de Guariba vivem na zona rural e é sabido que a maior parte das crianças e adolescentes que estudam nas escolas públicas municipais, beneficiárias do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), pertence às famílias trabalhadoras rurais.

Mais informações: site www.esalq.usp.br

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