Imprensa dá visibilidade ao movimento LGBT, mas de forma estigmatizada

Pesquisa desenvolvida na FFLCH revelou uma tentativa da imprensa brasileira em dar grande visibilidade aos eventos da comunidade LGBT. Contudo, o uso de expressões genéricas e adjetivações estigmatizadoras no discurso tem descaracterizado a identidade dos atores do movimento.

Fernando Pivetti / Agência USP de Notícias

Uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP revelou uma tentativa da imprensa brasileira em dar grande visibilidade aos eventos da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros). Contudo, o uso de expressões genéricas e adjetivações estigmatizadoras no discurso tem descaracterizado a identidade dos atores do movimento.

A tese de doutorado do professor Iran Ferreira de Melo observou de que forma acontece a representação de um grupo minoritário de direitos sociais na imprensa hegemônica. O pesquisador tomou como base as reportagens elaboradas pelo jornal Folha de S. Paulo acerca de todas as edições da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, realizadas entre 1997 e 2012. “Precisei selecionar um veículo de comunicação de massa que mimetizasse a imprensa. Por isso, escolhi a Folha de S. Paulo, jornal de maior tiragem e circulação paga no Brasil há mais de duas décadas.”

A escolha pelos textos sobre a Parada foi motivada pela força militante do evento dentro do movimento LGBT. Para Melo, “essa é a ação de militância que possui maior notoriedade diante da mídia, fornecendo grande visibilidade à diversidade cultural do grupo e às reivindicações como a criminalização da homofobia e a legalização de direitos sociais historicamente negados a essa população”.

O projeto teve como base uma perspectiva de estudos chamada Análise Crítica do Discurso. O conceito trabalha a ideia de que a seleção das palavras (nomes e verbos) é uma forma de construir imagens sobre o mundo, atuando como um gatilho para orientar leituras e posicionamentos sobre o que está sendo dito e representado. “Procurei desenvolver um olhar crítico sobre a linguagem escrita, uma vez que esse tipo de análise verifica uma operação muito comum, mas pouco percebida por leitores e leitoras: a escolha de palavras.”

O estudo foi dividido em duas grandes etapas de análise. A primeira, descritiva, analisou fatores que ajudam a dar notoriedade aos textos sobre a Parada e, consequentemente, aos atores LGBT de que dela participaram. “Nessa análise, observei quantas vezes a Folha publicou notícias sobre o assunto, em que caderno colocou essas notícias, quanto de texto usou na capa para chamar a atenção de leitores, qual foi a extensão de texto dentro do caderno e o quanto de citações diretas de entrevistados/as LGBT foi mobilizado.”

A segunda fase do projeto buscou caracterizar como são representados, no interior das notícias, os atores mencionados pelo jornal para tratar desse evento de mobilização pública. “Nesse ponto foi elaborada uma análise da seleção de palavras e formas gramaticais que o jornal usou para designar todos os atores mencionados nas notícias.”

Visibilidade que ofusca

Melo acredita em um posicionamento de vanguarda do jornal quando este apresenta uma grande abordagem do movimento LGBT. Entretanto, a seleção do vocabulário para se referir ao grupo configura uma representação excludente e estigmatizadora. “No contexto geral, o tipo de representação prejudica a imagem do grupo como sujeitos políticos que estão na Parada do Orgulho LGBT com o objetivo de pleitear respeito às diversas formas de ser, de pedir inserção e direitos sociais e de lutar contra a homofobia.”

O pesquisador aponta que uma prática de visibilidade não necessariamente gera inclusão, sendo possível dar notoriedade a alguém sem incluir e possibilitar sua emancipação. “O que produz essas duas práticas simultaneamente é uma representação democrática, justa e equânime”, diz. Ele também ressalta que o que a mídia apresenta sobre o movimento LGBT indicia um comportamento, uma ideologia. “Ao lermos, por exemplo, uma notícia que avaliamos como homofóbica, não nos certificamos de que aquele é o comportamento da sociedade em geral, do jornal ou de quem produziu o texto. O que podemos garantir é que essa notícia tem potencial de sentido homofóbico, ou seja, pode gerar uma compreensão homofóbica sobre as pessoas e o assunto tratado.”

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