PMs têm recorrido cada vez mais à Ouvidoria da Polícia, aponta pesquisa da FFLCH

Órgão criado para atender denúncias da população também é procurado por policiais, principalmente, militares.

Hérika Dias / Agência USP de Notícias

Entre 2006 e 2011, a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo recebeu uma queixa por dia registrada por policiais, principalmente, militares. O dado faz parte de uma pesquisada realizada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Criado em 1995 para ser o “ombudsman” da segurança pública e o canal da população para denunciar atos irregulares cometidos por policiais, o órgão vem atendendo também a demanda de conflitos que não são resolvidos internamente nos batalhões. Mesmo assim, a Ouvidoria ainda é vista pelos policiais como uma fonte de constrangimentos ou um obstáculo ao bom desenvolvimento dos trabalhos da Polícia Militar.

A socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV/USP), Viviane de Oliveira Cubas, analisou na sua tese de doutorado a percepção dos policiais militares a respeito de mecanismos de controle externo da polícia, como as ouvidorias, e como se dá essa relação entre eles. Para isso, a pesquisa utilizou duas diferentes fontes de dados: uma amostra de queixas registradas por policiais na Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo e entrevistas com policiais militares.

Das 1.716 queixas registradas por policiais, 95,7% eram de PMs, 58,5%  da cidade de São Paulo e região metropolitana; 57% foram feitas por telefone, 99,1% foram anônimas. A socióloga explica que o uso do anonimato é para resguardar-se, já que o regimento disciplinar da PM inclui a proibição do policial recorrer a órgão externo, exceto judiciário, para tratar de questões relacionadas à instituição policial. “Mas a lei que instituiu a criação da Ouvidoria da Polícia dá o direito ao policial de registrar queixas no órgão”.

Viviane acredita que a grande presença de reclamações na Ouvidoria por policiais militares esteja relacionada ao rigor do código de disciplina, que aplica punições severas para ações simples e corriqueiras, que nem sempre têm relação com as atividades de policiamento, mas com aspectos da própria disciplina militar, como falhas no uso do uniforme ou nas saudações militares, por exemplo. “Não há muitas formas de defesa ou canais para a resolução de conflitos, na hierarquia militar as punições são aplicadas pelos oficiais sobre praças, assim a Ouvidoria é um atalho para resolver os problemas internos ”.

Do total de reclamações, 66,2% foram queixas de praças contra superiores, geralmente oficiais. Na hierarquia da Polícia Militar há dois grupos: os oficiais, cargos mais altos do comando e ligados ao gerenciamento, e os praças, que trabalham com atividades operacionais. As queixas indicam que a relação entre esses dois grupos, por vezes, é bastante conflituosa, na qual o diálogo não se faz presente.

Classificação

A pesquisadora criou categorias próprias para classificar as principais queixas dos policiais. Segundo Viviane, a Ouvidoria da Polícia usa classificações extraídas do código disciplinar militar, que não permitem entender claramente a natureza das reclamações. Entre as 1.716 queixas, 66,8% estavam relacionadas a problemas na relação do trabalho. “São profissionais que se queixam de jornadas exaustivas, folga cancelada, casos de assédio moral, falta de recursos humanos e materiais, metas estabelecidas, como o número de abordagens que precisam ser atingidas no dia”, detalha a socióloga.

Entrevistas

A percepção dos policiais militares a respeito do controle, sobretudo da Ouvidoria, sobre a atividade policial foi analisada por meio de entrevista com cinco oficiais e dez praças. Os entrevistados apontaram os desvios mais graves que um policial pode cometer: uso excessivo da força e corrupção. De acordo com a pesquisadora, o “excesso” em uma ocorrência policial é visto pelos PMs como aspectos emocionais da pessoa e não de caráter ou treinamento. Algo que deve ser evitado, mas que pode ocorrer com qualquer policial. Já o envolvimento em crimes é veemente condenado por todos e visto como um problema de caráter.

No discurso, eles reconhecem a Ouvidoria e a necessidade de controle externo sob a polícia, já que exercem uma atividade que requer a prestação de contas à sociedade. “Mas eles entendem que esse controle deve existir por monitoramento de atividades, especialmente aquelas que são quantificáveis, e não em ouvir a população sobre a qualidade do trabalho da polícia”, explica a pesquisadora.

Apesar de destacarem a importância da Ouvidoria, parte dos PMs entrevistados criticaram o seu funcionamento. Eles dizem que muitas queixas vindas do órgão não são “válidas” e que atrapalham as atividades internas. “A Ouvidoria da Polícia é vista como um obstáculo pelos policiais que precisam investigar as queixas. Para o alto comando, também é perceptível a insatisfação de responder a um órgão externo sobre problemas internos do batalhão”, afirma Viviane.

As queixas registradas na Ouvidoria são encaminhadas à Corregedoria da Polícia Militar. “A Ouvidoria não tem poder de punição, ela registra a queixa, encaminha ofício à Corregedoria que fará a investigação e responde de volta ao órgão. Dentro da configuração que a Ouvidoria tem hoje, ela consegue pressionar, questionar e apontar os erros da polícia”, diz Viviane. Ela afirma ainda que a Ouvidoria, mesmo não punindo, traz resultados, entre eles a possibilidade de a população obter informações não apenas de como se desenvolve o trabalho policial na rua, mas como é organizado internamente.

Mais informações: (11) 3091-4951, com Viviane de Oliveira Cubas

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