Grupo de Estudos da FD promove debate sobre tráfico de pessoas

Debate “Tráfico de Pessoas: Escravidão no Século 21” foi organizado pelo Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade (GEDS) da Faculdade de Direito da USP.

Izabel Leão / Jornal da USP 

Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP

Século 21, gente vendendo gente. Com essa afirmação, a jornalista Priscila Siqueira, integrante do Movimento Contra o Tráfico de Pessoas (MCTP) iniciou sua fala no debate “Tráfico de Pessoas: Escravidão no Século 21”, organizado pelo Grupo de Estudos em Direito e Sexualidade (GEDS) da Faculdade de Direito da USP, que ocorreu no dia 4 de novembro, no auditório da faculdade.

A jornalista citou que, segundo a ONU, nunca antes na história da humanidade houve tanta gente vivendo em situação de escravos como acontece hoje no mundo globalizado, e o tráfico humano é a moderna forma de escravidão. “Não há nação inocente: ou ela compra ou vende pessoas como se fossem mercadorias.”

Priscila afirmou que esse é o pior crime contra os direitos inalienáveis de qualquer pessoa e, no entanto, vem acontecendo em todas as partes do mundo. “Esse tipo de perversidade para com a humanidade não é prática reservada ao mundo pobre ou em desenvolvimento, mas é um fenômeno global, e, como sempre, regido pela lógica de mercado nos moldes atuais”, destacou a jornalista. “A pessoa traficada é uma cifra, um dado comercial, vira coisa, uma peça. É uma violência baseada na desconstrução do outro como pessoa.”

Ela apontou as diferentes modalidades que esse crime assumiu, incluindo o tráfico de mulheres e meninas para a indústria do sexo, de crianças e adolescentes, trabalho escravo, adoção ilegal, de órgãos e tecidos, de travestis e transexuais.

Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2005, aponta que o tráfico de pessoas em termos de lucro só perde para o tráfico de armamentos, existindo cerca de 2,8 milhões de pessoas escravizadas no mundo, o que gera um movimento de US$ 32 bilhões por ano. Desse total, US$ 15,5 bilhões vão para os países desenvolvidos e o restante para os países menos desenvolvidos.

Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP

A jornalista explicou que isso se deve à impunidade. Enquanto o tráfico de drogas é quantificado, o de pessoas muitas vezes é difícil de ser provado. “A pessoa trancafiada não se reconhece como vítima ou tem medo de expor sua situação, em razão de ameaças de morte a ela mesma ou à sua família.”

O problema é que não há nenhuma legislação elaborada sobre isso, apontou Priscila. “O tráfico de pessoas é uma transação comercial que se baseia na oferta da mercadoria ‘pessoas’, na compra dessa mercadoria e na impunidade do crime. Quem imaginaria que a escravidão sobreviveria no século 21?”

É unânime entre os pesquisadores que a rota do tráfico de pessoas é a rota do capital: ele se desloca das regiões mais pobres do planeta para as mais ricas, dentro de um mesmo país ou através de suas fronteiras.

Segundo a jornalista, o Brasil é considerado, nas Américas, o maior exportador de mulheres, adolescentes e meninas para o trabalho escravo com fins de exploração sexual nos países desenvolvidos e o quinto país do mundo onde ocorre o tráfico de órgãos e tecidos.

Priscila afirmou que, o Protocolo de Palermo, documento de combate ao tráfico de pessoas elaborado em 2000 e ratificado pelo Brasil em 2006, é de fundamental importância, pois o enfrentamento desse crime tem de prever ações que interliguem todos os países. Ela lembrou que, sem a participação da sociedade civil reforçando a atuação do Estado, como associações, ONGs, igrejas e clubes de serviço, fica muito mais difícil erradicar esse tipo de tráfico.

Travestis e transexuais

Para tratar do tráfico de travestis e transexuais, o escocês Barry Michael Wolfe, radicado no Brasil desde 1986, advogado e fundador da SOS Dignidade, mostrou, durante o debate na Faculdade de Direito, que há uma diferença entre o tráfico de mulheres e homens para fins de exploração sexual e o de travestis e transexuais. “Estes últimos sabem muito bem que vão ser explorados como profissionais do sexo e, mesmo assim, consentem em ser traficados. Muitas vezes procuram os próprios traficantes, achando ser a grande oportunidade de suas vidas”, disse.

Wolfe afirmou que o tráfico humano desse grupo de indivíduos é intimamente ligado à exploração sexual por cafetinas e cafetões. As pessoas trans não têm outra escolha de trabalho a não ser se prostituir. Normalmente o cafetão as “prende” em sua casa, incentivando-as a contrair dívida financeira e obrigando-as a gastar com drogas, implantação de silicone e tratamentos cosméticos, sempre a juros altos. “Elas sofrem constantes ameaças de violência, são punidas por mau comportamento, espancadas, estupradas, torturadas, levam tiros e facadas”, ressaltou.

Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP

Wolfe analisou a repressão como uma ação pouco eficaz no combate ao tráfico de travestis e transexuais, pois toda a atividade criminal que envolve mais de um país é transnacional, o que exige mais tempo, recursos financeiros e vontade política de todas as autoridades envolvidas. Por outro lado, os criminosos atuam sem fronteiras, podendo se comunicar, viajar e transferir recursos instantaneamente. “O crime transnacional fica sempre à frente da repressão, e os criminosos são sempre impunes. Quem sofre a repressão é quase sempre a vítima, que muitas vezes nem se considera uma delas.”

O advogado acredita que a clandestinidade da profissão do sexo e da imigração ilegal dá condições para os criminosos florescerem. Ele propõe que o Estado forneça educação, abrigo para menores vulneráveis, saúde e reconhecimento dos direitos humanos básicos. Só assim esses indivíduos conhecerão sua dignidade e não cairão nas mãos de cafetinas e cafetões exploradores.

Crianças e adolescentes

Em busca de entender como se dá a exploração sexual de crianças e adolescentes nas fronteiras do Brasil, o jornalista Mauri König percorreu estradas, praias e portos brasileiros, visitando 99 locais de prostituição e exploração sexual de menores de idade, do Oiapoque ao Chuí, revelando as diferentes faces de um dos mais perversos crimes cometidos contra crianças e adolescentes: a violência sexual.

No debate na Faculdade de Direito, König apontou que as redes de prostituição se aproveitam da ausência do Estado em lugares remotos do País, forçando as migrações de crianças e adolescentes para lugares de exploração sexual. “Nas regiões de fronteira é muito simples traficar crianças e adolescentes, porque é um ambiente rarefeito de população e da presença do Estado”, explicou. “É do conhecimento de todos que a miséria, o descaso, o abandono e o consumismo são alguns dos fatores que levam milhares de crianças e adolescentes a encenar esse triste enredo.”

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