Psicóloga investiga percepção corporal provocada pela dança em projeto social

A psicóloga Camilla Monti Oliveira investigou de que forma a identidade social se estrutura na construção da imagem do corpo.

Hérika Dias/Agência USP de Notícias

Ao analisar o cotidiano de um grupo de bailarinos de camadas populares da sociedade, na cidade de Ribeirão Preto (SP), a psicóloga Camilla Monti Oliveira observou que “a partir do momento em que eles se identificam e se assumem como bailarinos se configura a identidade e expectativa social de superação da condição de pobreza”. E isso, segundo a psicóloga, está relacionado diretamente com a percepção do próprio corpo, como potencialidade artística e produtiva.

Sob a orientação do professor Sérgio Kodato, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, Camila investigou de que forma a identidade social se estrutura na construção da imagem do corpo. Para realizar o estudo, os pesquisadores entrevistaram bailarinos de uma Organização Não-Governamental (ONG), denominada Companhia Experimental “Dança Vida”, que desenvolve diversos projetos sociais nessa área, na periferia de Ribeirão Preto.

“Pensamos em trabalhar com a população carente e economicamente desfavorecida que, muitas vezes, não tem acesso à dança e suas modalidades profissionais, pois a prática ainda é elitizada e para poucos. Apesar do foco no estilo contemporâneo, os bailarinos todos sofreram grande influencia da dança de rua, que também influenciou fortemente as coreografias e espetáculos que essa companhia apresentava”, explica Camilla.

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O primeiro contato desses dançarinos, todo jovens adultos, com atividades que relacionam o corpo como modo de expressão sincronizado foi, principalmente, nas práticas esportivas, festivais de dança de rua, hip-hop. “A consciência corporal pelo movimento implica no desafio para que esses processos de construção da imagem corporal sejam incorporados ao esquema conceitual, referencial e operativo com o qual pensam e atuam sobre o mundo”, informa a psicóloga.

Camilla disse ainda que as “representações de jogar futebol, como prática restrita ao universo masculino, estão, paulatinamente, sendo desconstruídas entre o grupo entrevistado e pesquisado, já que o futebol foi escolhido e praticado por parcela significativa das bailarinas, que declararam “não terem se importado com as possíveis repercussões de masculinização e musculação de seus corpos femininos”.

De acordo com o professor Kodato, as entrevistas revelaram como a profissão e a prática sistemática da dança influencia diretamente em toda a rotina de vida e identidade corporal, objetivada na preocupação em estar bem física e mentalmente para poder trabalhar e executar bem os movimentos em suas aulas e ensaios. “Aprenderam a perceber quando estão mais dispostos, menos dispostos, a influência que a alimentação tem para a performance, como é importante cuidar do alongamento, do aquecimento e flexibilidade. O corpo é significado como um instrumento de superação da situação de desfavorecimento e de trabalho ético e estético”.

Os pesquisadores apontam para um fato interessante surgido durante as entrevistas com os dançarinos: eles procuram escapar do modelo de bailarino(a) clássico(a), pois se referiram recorrentemente em ‘fugir do padrão’ (ser magro, com poucas curvas no corpo). “Eles afirmaram que em alguns momentos isso os incomodou, mas que foram percebendo que não precisariam seguir este estereótipo e nem se adequarem a esse modelo para serem bons bailarinos, que era possível a eles serem ótimos dançarinos e dançarem bem com seus corpos, moldados pelas condições difíceis de vida, como se fossem as marcas da identidade social e corporal”, coloca Kodato.

A consciência corporal pelo movimento dos bailarinos passou por algumas mudanças após entrarem na companhia de dança. Eles relataram o comprometimento em seguir e investir na carreira, começaram a se descobrir enquanto ‘corpos que dançam’, e já que se tornaram mais conscientes dos próprios corpos, de suas limitações, possibilidades, potencialidades, puderam experimentar um deleite estético com os movimentos executados pelo próprio corpo, vistos no espelho ou no vídeo.

“Alguns se envolveram profundamente no processo de descobrir o próprio corpo: músculos que não reconheciam, seus limites, o quanto que era importante cuidar da alimentação, do sono, da quantidade de água que bebiam, as roupas que usavam para ensaiar e que ajudavam ou atrapalhavam a fazer os movimentos, todos eles relataram que foi um processo de conhecerem a potencialidade de si mesmos e do próprio corpo. E que essa consciência corporal os ajudou a se tornarem melhores enquanto bailarinos e sujeitos sociais. O corpo passou a ser representado e sentido como dispositivo da interação: “eu e o outro”, o que implicou em uma consciência ativa e crítica sobre o ser e estar no mundo e no palco de dança”, conclui Camilla.

O trabalho da psicóloga foi realizado durante sua iniciação científica e teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mais informações: email camilla_cmo@yahoo.com.br ou skodato@ffclrp.usp.br, com Camilla Monti Oliveira e Sérgio Kodato

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