Para pesquisador do IP, literatura contribui para compreensão do ser humano

Psicanálise expande seus limites ao usar textos literários no estudo sobre o homem

Ana Paula Souza/Agência USP de Notícias

Ainda que seja um dos principais caminhos para o entendimento dos seres humanos, a psicanálise, como toda ciência, encontra suas limitações. No entanto, há outros métodos que podem contribuir para expandir os limites de investigação dessa área da psicologia, e um deles é a análise de obras literárias. Essa é a ideia explorada pelo psicólogo Nivaldo de Freitas na tese de doutorado Reflexões acerca da Psicanálise e da literatura no estudo do indivíduo com base na Teoria Crítica, apresentada em abril de 2013 e orientada pelo professor Jose Leon Crochik.

Elaborada no Instituto de Psicologia (IP) da USP ao longo de quatro anos, a pesquisa envolveu a leitura dos textos de psicanálise presentes nos livros de Sigmund Freud e as obras de Franz Kafka, entre as quais O Processo. A pesquisa revela que a ciência não pode se fechar em si mesma no momento de compreender a cultura. “A maneira científica de conhecer as pessoas deixa de lado muitos elementos constitutivos desse objeto de estudo. Já as artes, e, especificamente, a literatura, são documentos históricos que permitem entender a origem e o desenvolvimento do ser humano, muitas vezes indo além das descrições da ciência”, conta Freitas.

Um choque entre pontos de vista

No estudo, o pesquisador confrontou a imagem humana apresentada nos textos de Freud e na obra de Kafka. Nesse processo de análise, Freitas encontrou diferenças entre as compreensões do ser por parte dos dois autores. “Foi surpreendente perceber que, apesar de Kafka ser contemporâneo a Freud, o primeiro expõe um homem mais condizente com sua época: alguém sem autonomia, infantil, alienado. Enquanto isso, Freud, apesar de expor elementos que merecem ser usados até hoje para refletir sobre nossa realidade, apontava para o sujeito do século 19.”

Porém, para o pesquisador, pensar na descrição de Freud também acaba por fornecer elementos para uma crítica social, uma vez que ela permite entender como as pessoas têm regredido em muitos aspectos.

Um casamento que pode dar certo

“A contribuição da pesquisa está em ressaltar que a ciência, em qualquer de suas vertentes, possui limites, os quais, muitas vezes, são até mesmo ideológicos. Por exemplo, algumas psicologias se referem às pessoas como se elas fossem livres e autônomas, mas as reflexões trazidas por outras esferas do saber, como a arte, a filosofia e a sociologia, mostram que o ser autônomo não pôde ainda surgir, e mostram os obstáculos históricos desse processo. A leitura atenta da obra literária de Franz Kafka fornece provas disso.”

Segundo Freitas, esse conflito de ideias entre Freud e Kafka mostra que a literatura, em alguns aspectos, está à frente da descrição da ciência, de modo que, se o psicólogo opta por utilizar esses outros meios de análise, há o nascimento de um horizonte de possibilidades de compreensão e, até mesmo, de atuação. “Se o psicólogo for capaz de uma reflexão, para além dos limites da ciência, sobre o ser humano e suas condições de formação, e se notar o quanto a civilização há tempos se assenta na violência, o profissional passa a ser um importante agente da crítica social e de mudanças necessárias e urgentes.”

Mais informações: email nfreitas@usp.br

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