Academias de Enfermagem no Brasil têm falhas estruturais, defende estudo

Para pesquisadora, academia de especialistas em enfermagem prioriza questões jurídicas em detrimento da pesquisa científica.

Paloma Rodrigues / Agência USP

A Academia Brasileira de Especialistas em Enfermagem não atende à função básica deste tipo de instituição, que é a promoção do debate acadêmico e do avanço da pesquisa científica. Análise da enfermeira Flávia de Araújo Carreiro, da Escola de Enfermagem (EE) da USP,  aponta que essa entidade é composta de elementos jurídicos e assemelha-se a uma espécie de federação para a classe.

Contextualizando a questão, a noção de “Academia” une duas coisas: o esporte e a discussão filosófica. A explicação do termo vem do filósofo Platão e da instituição que ele fundou na Grécia Antiga. Ela tinha a função de elevar à argumentação e reflexão questões a cerca da literatura, artes e ciências em geral. Para estimular seus alunos, Platão também incentivava as práticas esportivas, pois o dinamismo dessas atividades integrava as pessoas. A função da Academia na promoção do esporte é a vertente mais conhecida atualmente, graças as atividades oferecidas pelos centros de esporte e ginástica.

No Brasil

Flávia pesquisou estatutos, regimentos e atas de fundação das maiores Academias em atuação no Brasil. “Tive que ampliar meu domínio para outras áreas, entender como esse tipo de instituição surgiu no Brasil. Por isso, não podia me ater apenas à área da enfermagem”, explica. Dentre as instituições analisadas estavam a Academia Nacional de Medicina e a Academia Brasileira de Letras, por exemplo.

“Meu objetivo era definir semelhanças e diferenças das Academias de hoje quando comparadas à idealizada por Platão”, diz Flávia. O processo foi longo já que cada uma das fundações seguiu uma trajetória diferente.

Algumas delas tem a prerrogativa da produção do conhecimento, outras não conseguem alcançar este patamar pois dão prioridade para a parte jurídica, em detrimento das ciências. Este é o caso da Academia Brasileira de Especialistas em Enfermagem, composta basicamente por sociedades de especialistas, com função jurídica, e não profissionais e pesquisadores da área. A maneira como foi criada essa Academia sinaliza que o caminho percorrido foi o de uma federação e não um centro para de desenvolvimento de projetos e produção científica.

A organização da classe dos enfermeiros ficou prejudicada, pois os avanços dependiam da motivação individual de alguns. Muitos processos de formação chegaram a ser interrompidos. “A Academia Brasileira de Enfermeiros, por exemplo, não saiu do papel porque deixou de ser prioridade para seus fundadores. Ela quase se tornou realidade, mas foi interrompida porque não havia uma união de toda a classe para que isso acontecesse”, explica.

Organização futura

A enfermagem tem órgãos de fiscalização e uma legislação. Isso faz com que seja muito difícil se centralizar tudo em uma única agremiação. “Pensar em uma Academia única na década de 1980 era compreensível, mas hoje temos uma nova situação. Tivemos conquistas políticas e legislativas, de modo que hoje precisamos de um controle maior”, explica Flávia.

Para a pesquisadora, é mais viável pensar em uma Academia que estabeleça um foco para determinado setor. “As chances de uma Academia especializada se destacar é muito maior que uma mais geral que não cumpre bem todos os papéis que se predispôs a cumprir”.

Como exemplo, Flávia cita a Academia Brasileira de História da Enfermagem. Relativamente nova, fundada em meados de 2010, a instituição vem cumprindo bem o seu papel de resgatar a história da profissão e de se aprofundar em importantes pesquisas sobre a origem da enfermagem.

“Dentro do campo da enfermagem, a história ainda é menos valorizada porque não é um campo técnico. Isso aumenta a importância dessa Academia, pois ela tem um importante papel na reversão deste quadro”, coloca. Flávia ressalta a necessidade do jovem profissional entender tudo pelo qual sua profissão já passou e tudo o que ainda falta ser conquistado. “Se não sabemos de onde viemos, para onde iremos?”, questiona Flávia.

A história, de uma maneira geral, guarda os nomes dos líderes, das grandes construções, mas a história não é feita apenas dessas pessoas. Os menores que constroem a história da enfermagem têm o direito de expressar suas dúvidas, opiniões e sugestões. Para isso, é preciso que se consolide um órgão que os permita ser ouvidos pela classe como um todo.

A tese de doutorado Academia Brasileira de Enfermeiros: Locus profissional não consolidado foi defendida em 2011 e foi orientada pela professora Taka Oguisso, do Departamento de Orientação Profissional (ENO) da Escola de Enfermagem da USP.

Mais informações: email flavia.carreiro@yahoo.com.br

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