Pesquisadora da FFLCH estuda como “Almirante” contribuiu para a história da MPB

Historiadora mostra que uma das principais contribuições de Almirante foi a de conseguir trazer novas possibilidades de trabalho histórico, relacionadas à música popular.

Ana Paula Souza / Agência USP de Notícias

A vida radiofônica de Henrique Foreis Domingues, o Almirante, é retratada em um estudo realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. A pesquisa da historiadora Giuliana Souza de Lima mostra que uma das principais contribuições do apresentador de rádio e compositor Almirante foi a de conseguir trazer novas possibilidades de trabalho histórico, relacionadas à música popular, quando não havia espaço para isso nos circuitos reconhecidamente intelectuais.

Orientado pelo professor José Geraldo Vinci de Moraes, o trabalho Almirante, “a mais alta patente do rádio”, e a construção da história da música popular brasileira (1938-1958) aborda a importância da figura do radialista para a história da MPB, principalmente no que diz respeito à profissionalização e diversificação da programação radiofônica. Além disso, Almirante, “a mais alta patente do rádio”, apresentava programas baseados em estudos que resultaram em um arquivo fundamental para a historiografia da música popular brasileira, hoje pertencente ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS-RJ), no qual o radialista trabalhou dos anos 1960 até o seu falecimento, em dezembro de 1980. Esse cuidado de pesquisa também estava presente na abordagem do conteúdo de suas atrações radiofônicas, uma vez que, em seus programas, o apresentador conferia um caráter científico aos temas que abordava, os quais giravam em torno, principalmente, da temática da cultura nacional.

Para a elaboração do trabalho e melhor compreensão do objeto de estudo, a historiadora investigou todo o contexto do rádio brasileiro daquela época. Nesse processo, realizou o mapeamento de registros sonoros e escutou todas as gravações dos programas disponíveis de Almirante da Coleção Assim Era o Rádio e do arquivo da Rádio Nacional, além de analisar dezenas de scripts, nos acervos do MIS-RJ e do Instituto Moreira Salles. “Era necessário compreender as especificidades deste meio para entender como Almirante se apropriou da linguagem radiofônica para divulgar suas ideias. De uma forma inovadora, ele construiu uma metodologia própria, tanto para a produção radiofônica como para a pesquisa da música urbana que foi produzida entre o final do século 19 e a primeira metade do século 20”. Almirante passou pelas rádios Mayrink Veiga, Transmissora, Nacional e Tupi, no Rio de Janeiro, e Record, em São Paulo, entre outras. Como compositor, foi autor de músicas carnavalescas e fez parte do grupo musical Bando de Tangarás, que teve a participação de Noel Rosa.

Postura nacionalista

Outra característica que se revelou no processo do estudo foi o fato de que o apego à tradição e à postura nacionalista foram elementos constantes ao longo da carreira de Almirante. Em seus anos no rádio, quando havia um contexto de construção de uma sociedade brasileira moderna, o apresentador se colocou de maneira incisiva em relação à valorização da cultura nacional. Segundo Giuliana, Almirante atribuía ao rádio, e, consequentemente, à música popular, um papel importante na construção de uma “identidade nacional”, ainda que, não raro, lamentasse a perda das tradições face à modernização e às influências estrangeiras. No entanto, como conta a pesquisadora, há aspectos curiosos nesse processo. “Embora, muitas vezes, Almirante tenha usado de um discurso nacional-ufanista, percebe-se que, na prática, ele não se eximia da tendência à assimilação de sonoridades estrangeiras”.

A dissertação de mestrado que levou seis anos para ser concluída será publicada em livro neste ano, mas ainda sem data definida, pela Editora Alameda. O trabalho ficou em primeiro lugar no Prêmio Funarte de Produção Crítica em Música 2013 e recebeu menção honrosa no Concurso Sílvio Romero 2013.

Com a pesquisa, Giuliana pretende não apenas trazer luz à importância de Almirante, mas também contribuir para que mais pesquisas sobre música popular brasileira possam ser desenvolvidas. “Acredito que foi possível, por meio deste estudo, trazer contribuições para a compreensão de como foi construída a história da música popular brasileira e sobre o desenvolvimento da radiofonia no País. Ao estudar a história da música, feita por historiadores amadores como Almirante, também se colocou o próprio fazer historiográfico em questão, e o trabalho empreendido na organização das fontes permite mapear sua produção, de modo que qualquer pesquisador que se interesse pelo tema possa localizá-la”.

Mais informações: email giuliana_lima@yahoo.com.br

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