Indústria moveleira direcionada ao mercado popular tem melhor desempenho financeiro

Estudo se baseou em análises de balanços patrimoniais e questionários respondidos por empresários.

Júlio Bernardes / Agência USP de Notícias

Pesquisa da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP revela que as indústrias de móveis que direcionam sua produção aos consumidores de menor renda apresentaram melhor eficiência financeira que as empresas que direcionaram sua produção ao público de maior rendimento. Com base em análises de balanços patrimoniais e de questionários respondidos por empresários, o estudo do administrador de empresas Carlos Augusto Passos aponta que o desempenho se deve a uma estratégia de produção voltada para a demanda das classes C, D e E. As indústrias investem em tecnologia de modo a reduzir custos operacionais e oferecer produtos de qualidade mais acessíveis aos consumidores.

A pesquisa foi orientada pela professora Renata Giovinazzo Spers, da FEA, cujo trabalho sobre o desempenho financeiro das organizações que tem como foco o público de baixa renda serviu de base para avaliar as indústrias de móveis. “A análise foi estratificada e para as empresas que atuam para a baixa renda foi utilizado um contingente formado pelas classes de rendimentos C,D e E, formadas pelas famílias cuja renda mensal é inferior a dez salários mínimos [R$ 6.779,00, em 2013], de acordo com uma classificação estabelecida a partir dos indicadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE”, conta o administrador. “O estudo se concentrou no setor industrial em razão das decisões estratégicas terem um perfil de prazo mais longo em relação ao setor de varejo e de serviços”.

Foram contactadas 690 empresas do setor moveleiro, nos Estados que são os principais produtores brasileiros (Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo e Goiás). “Com base nesses dados, foram enviados convites a 617 indústrias para que respondessem um questionário eletrônico, entre junho e agosto de 2013. Dessa consulta foram obtidos 94 questionários respondidos integralmente, 10 questionários foram descartados por inconsistências nas análises financeiras, obtidas após à resposta do questionário, em uma empresa de informações de crédito”, relata Passos. “As informações dos balanços e os aspectos estratégicos descritos nos questionários permitiram identificar as empresas voltadas ao mercado popular como aquelas em que a participação das vendas para esse grupo da população é superior a 60%”.

O estudo analisou a eficiência financeira de uma amostra de 84 empresas do segmento industrial moveleiro entre o período de 2001 e 2012 e constatou que nos anos de 2005, 2007, 2009 e 2012, é possível afirmar com 90% de margem de confiança, que as empresas mais eficientes financeiramente foram as que atuaram no mercado de bens populares. “Nos demais anos, não houve diferença estatística nas médias amostrais entre as indústrias dos dois segmentos de mercado”, aponta o administrador. “No entanto, as empresas mais eficientes da amostra em quase todos os anos apresentaram em média 12% a mais de participação no mercado popular em relação às menos eficientes”.

Estratégia de mercado

A diferença de desempenho pode ser explicada por aspectos estratégicos, ressalta Passos. “As indústrias voltadas para o mercado popular procuram a liderança tecnológica, pois o cliente de produtos populares é ávido por novidades”, diz. “Elas costumam fazer investimentos para reduzir custos e melhorar a qualidade do produto, além apresentarem-se operacionalmente melhores, com um atendimento de requisitos básicos e distribuição mais rápida, fatores que favorecem a lembrança pelo consumidor final.”

Com exceção do indicador de margem bruta, que revela o resultado após a dedução dos custos dos produtos vendidos, todos os demais indicadores de margens apresentaram-se superiores nas indústrias voltadas aos móveis populares. “Isso permite inferir que os custos das empresas voltadas ao mercado de baixa renda são proporcionalmente mais altos em relação à receita da empresa, o que é compensado posteriormente por melhor adequação de despesas operacionais e financeiras, como revelam os indicadores de margem operacional e margem líquida”, afirma Passos.

O administrador observa que entre os principais fatores de causalidade do aumento de participação das empresas no mercado de bens populares está a taxa de juros. “Na pesquisa foi possível afirmar, com margem de 90% de confiança, que existe uma relação inversa entre a taxa de juros e a participação das empresas mais eficientes no mercado popular, isto é, reduções nas taxas causam um aumento nessa participação”, destaca. “O efeito da redução dos juros no varejo de móveis favorece o financiamento dos produtos, já que é difícil o consumidor de baixa renda comprar mobiliário à vista. O aumento do parcelamento contribui para que as prestações se adequem ao orçamento das famílias. Assim, quanto mais baixa a taxa de juros, mais famílias passam a consumir esses produtos, elevando a demanda para as indústrias.”

De acordo com Passos, os resultados da pesquisa mostram que a estratégia de focar o mercado das classes de menor renda foi uma decisão acertada. “Esse segmento da população foi muito beneficiado nos últimos anos com políticas de expansão de renda, aumento dos níveis de emprego e queda dos índices de inflação, o que aumentou sua capacidade de tomar crédito e, consequentemente, a demanda por bens de consumo duráveis”, aponta. “As indústrias do setor moveleiro que voltaram sua produção para esse mercado conseguiram ter um desempenho melhor que aquelas voltadas para os consumidores de maior renda, corroborando com estudos anteriores”. O administrador deverá prosseguir os estudos com a análise de outros setores, como as indústrias de confecções (bens semiduráveis), alimentos, bebidas, e higiene e beleza (bens não-duráveis).

Mais informações: email carlospassos@usp.br, com Carlos Augusto Passos

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