Concessão de aparelho auditivo em São Paulo cresce sem devida assistência

Na rede pública de São Paulo, acompanhamento posterior a procedimentos e concessão de aparelhos não refletiu aumento.

Lara Deus / Agência USP de Notícias

Na capital paulista, a adaptação de aparelhos auditivos e a realização de implantes cocleares aumentaram nos últimos dez anos, mas o acompanhamento terapêutico decorrente está muito aquém do esperado. A conclusão foi obtida pela fonoaudióloga Gislene Inoue Vieira, que estudou dados nacionais e locais. Foram realizadas ainda entrevistas com os profissionais de três grandes centros paulistanos em saúde auditiva, os quais tinham contato direto com os pacientes, levantamento dos principais documentos oficiais relacionados ao tema e observações de fóruns regionais de saúde auditiva. Na pesquisa, apresentada em 2013 na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, ela conseguiu perceber um discurso uniforme entre os entrevistados sobre a dificuldade no processo pós-adaptação.

Em 2004, foi instaurada pelo Governo Federal a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA), o ponto de partida do estudo. Deste então, Gislene percebeu um aumento na concessão de aparelhos de amplificação sonora individual e na realização de cirurgias para a colocação de implante coclear, um dispositivo eletrônico inserido cirurgicamente no ouvido interno, que substitui parcialmente as funções da cóclea, transformando energia sonora em em sinais elétricos. Esses recursos representam uma grande mudança na vida do usuário e, por isso, precisam de acompanhamento em múltiplas especialidades após a operação ou adaptação. Os dados da pesquisa indicaram que estes tratamentos decorrentes, porém, não tiveram uma evolução tão grande no período analisado, sugerindo que possa haver uma falha nessa rede de referência e contra-referência.

Modelo Biomédico

A PNASA foi revogada em 2011 e deu lugar ao Plano Viver Sem Limite, que abrange os portadores de deficiências em geral e também dá oportunidades além do campo da saúde, pois estimula a formação profissional e a empregabilidade destas pessoas. Segundo Gislene, este foi o segundo marco da área, exatamente pela dimensão além do conceito convencional de saúde. Este modo diferenciado de se lidar com um paciente não foi evidenciado nas falas dos profissionais entrevistados. Havia um discurso voltado ao Modelo Biomédico, definido por ela como aquele que segue a visão médica tradicional, com foco na doença. “Não se pensa muito em promoção de saúde, em ver a pessoa em sua totalidade, a saúde auditiva fica focada em realizar procedimentos clínicos. Este é o modelo corriqueiramente utilizado para formulação de políticas públicas de saúde”, completa ela.

Além disso, ela percebeu que poucos conheciam profundamente os programas governamentais. Isso evidenciou uma maior necessidade de diálogo entre quem elabora os projetos, os profissionais envolvidos e a sociedade civil ou seja, as “pessoas que fazem parte dos diferentes grupos de interesses”, explica a fonoaudióloga. A distância entre as normas e as práticas também foi levantada como uma dificuldade e, como sugestão, os profissionais ressaltaram a mudança no processo em que as normas são constituídas.

Para a parte qualitativa, foram entrevistados 47 profissionais de três centros paulistanos de alta complexidade: o Centro Audição na Criança (CEAC) e a Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbio da Comunicação (DERDIC) vinculados à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e o Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Suas falas foram analisadas por uma metodologia chamada Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), a qual permitiu agrupar os discursos por semelhanças e identificar categorias.

A parte quantitativa, que incluiu a análise de informações objetivas sobre os atendimentos das instituições, teve dados coletados do DataSus, um sistema do Ministério da Saúde. O estudo correlacionou dados quantitativos, historicidade dos documentos oficiais — leis, decretos e portarias — com os discursos dos profissionais da área da saúde auditiva e observações dos fóruns regionais, analisando-os à luz da literatura da promoção da saúde.

O estudo de mestrado Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva: o caso do município de São Paulo foi orientado pela professora Isabel Maria Teixeira Bicudo Pereira. Para acessar a dissertação de mestrado na íntegra, basta clicar no link.

Mais informações: email gislene_inoue@yahoo.com.br

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