Estudo revela motivação de pessoas que se expõem nas mídias

Exposição de problemas pessoais na rádio e na TV podem ter motivos financeiros, lazer ou mesmo simbólicos.

Ana Paula Souza / Agência USP de Notícias

Foto: Wikimedia Commons
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Programa “Casos de Família”

A disposição de algumas pessoas em narrar histórias pessoais e familiares publicamente, em programas de rádio e TV, é resultado de uma trama de relações que abarca trabalho e lazer, ganhos materiais e simbólicos. A conclusão é da socióloga Maíra Muhringer Volpe, autora do estudo O divã no palco: discurso terapêutico, indústria cultural e a produção de bens culturais com pessoas comuns, defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Em sua tese de doutorado orientada pela professora Irene de Arruda Ribeiro Cardoso, Maíra buscou entender os motivos pelos quais algumas pessoas tratam de suas questões íntimas na TV e no rádio. Para tanto, analisou os programas de TV Casos de Família (SBT), Márcia (Bandeirantes) e No Divã do Gikovate (Rádio CBN), nos quais pessoas relatavam conflitos para serem comentados por psicólogos no palco. Segundo a pesquisadora, essas emissões — com produções e públicos pertencentes a grupos sociais diferentes — são versões brasileiras de programas veiculados na França e em outros países, nas quais um discurso terapêutico é divulgado. Esse discurso consiste na diversificação da abordagem psicológica, ou seja, na difusão de orientações psicoterapêuticas ao grande público.

No caso do programa No Divã do Gikovate, havia a procura pelo discurso terapêutico, sendo os conselhos e comentários do doutor Gikovate valorizados. No âmbito da televisão, os participantes também queriam ter suas histórias comentadas pelos profissionais “psi”, pois as orientações desses profissionais apresentavam legitimidade, diante dos participantes, para explicar e discernir entre o que era “certo” e “errado”.

O âmbito televisivo apresentava ainda algumas peculiaridades. Alguns dos participantes pretendiam transmitir uma “mensagem particular”, ou seja, se comunicar com alguém que não estava implicado naquela montagem do “caso”, no palco. Outros julgavam que suas histórias eram de “utilidade pública” e mereciam ser objeto de uma discussão ampla.

Havia ainda quem buscasse reclamar de suas condições precárias de vida e quem almejasse seguir carreira no mundo artístico, de modo que aparecer na televisão seria um passo nessa direção.

Foto: Wikimedia CommonsO psicanalista Flávio Gikovate
Foto: Wikimedia Commons
O psicanalista Flávio Gikovate

A pesquisa revela também que a aceitação e a produção desses programas não são uniformes. Ao serem produzidos para grupos socialmente vulneráveis (com baixa escolaridade, inserção precária no mercado de trabalho e residentes em áreas periféricas da cidade), os programas de TV acabavam mostrando seus participantes com um tom jocoso, como pessoas que não sabem conversar e que são consideradas “estouradas”, “folgadas”, até agressivas.

No entanto, no caso do rádio, produzido para grupos da classe média, havia uma maior legitimação social para as pessoas falarem de si e de seus conflitos psicológicos. Os programas expunham, assim, noções diferentes de intimidade segundo o grupo social ao qual se dirigiam.

Uma estrutura reveladora

Maíra conta que as pessoas participantes não são simplesmente enganadas pela equipe de produção desses programas. “Todos os envolvidos, do diretor aos convidados do palco, passando pelos trabalhadores informais que integram a plateia, conhecem as regras do jogo social e as manipulam de acordo com suas capacidades e sua posição na cadeia de produção”, afirma, ressaltando ainda: “É importante acrescentar que a possibilidade de ação e obtenção de ganhos não minimiza a exploração que sofrem”.

Foto: Reprodução / TV Bandeirantes
Programa “Márcia”

A pesquisa também ressalta que, entre os profissionais informais contratados, há um grande número de mulheres de meia idade, já fora do mercado formal de trabalho, com baixa escolaridade e residentes em bairros periféricos. Elas atuam junto à equipe de produção dessas atrações, recebendo uma remuneração em bens materiais ou simbólicos. “Mesmo sendo trabalhos precários e que exploram a vulnerabilidade social desse grupo, as mulheres contratadas informalmente percebem suas funções como importantes, por tirarem-nas do insulamento familiar, por ajudarem-nas a manter a saúde tanto física quanto psíquica e por lhes garantirem um rendimento regular, o que lhes confere autonomia em relação aos maridos”.

Pesquisa além-mar

Para realizar o estudo, Maíra passou três anos participando das gravações desses programas. Realizou entrevistas com os participantes, com os integrantes da plateia e também com produtores e profissionais, além de conversar com psicólogos. Além disso, a pesquisadora também fez estágio doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, com uma bolsa de um ano cedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Maíra também pesquisou emissões francesas semelhantes às brasileiras no Instituto Nacional de Audiovisual da França, onde, além de estabelecer comparações entre as emissões do Brasil, também pôde discutir as semelhanças e diferenças entre esses programas e os franceses.

Mais informações:  email maira@muhringer.com.br

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