Tese premiada do IFSC testa enzimas para uso em biossensores

Com maior sensibilidade e seletividade, plataformas podem receber sensores para uso médico e alimentar.

Júlio Bernardes / Agência USP de Notícias

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Pesquisa do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ciência e Engenharia de Materiais da USP elaborou plataformas sensoras a partir de filmes finos organizados em nível molecular para imobilização de enzimas, de modo a permitir seu uso em biossensores. O estudo de Edson Giuliani Ramos Fernandes, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, procurou dotar as plataformas de propriedades melhoradas, como sensibilidade e seletividade. Testadas em estudos sobre qualidade de vinhos tintos e detecção de bactérias em meio líquido, as plataformas podem ser utilizadas em sensores usados em exames médicos, identificação de micro-organismos e controle de alimentos. A pesquisa foi orientada pelo professor Valtencir Zucolotto, do IFSC.

O trabalho recebeu menção honrosa no Terceiro Prêmio Tese Destaque, concedido pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação da USP, na categoria Multidisciplinar. O resultado do prêmio foi divulgado no último dia 5 de dezembro. “Os biossensores são dispositivos compactos que identificam em um meio complexo que contém vários componentes (como o sangue, por exemplo), uma molécula específica por causa da alta seletividade do agente biológico nele inserido”, conta Fernandes. “Esse agente que faz o reconhecimento, o qual pode ser uma enzima natural ou artificial, está conectado a um transdutor, capaz de converter essa interação em sinal elétrico, captado para se obter o resultado da análise.”

A produção das plataformas utilizou enzimas comerciais, imobilizadas pela adsorção física que acontece em interações eletrostáticas com um conjunto de moléculas anfifílicas, formando um filme fino. “Essas moléculas, que possuem partes distintas que atraem e repelem a água, são dissolvidas em solvente volátil e espalhadas sobre um recipiente (cuba) com água”, diz o pesquisador. “Quando o solvente se evapora, as moléculas ficam dispersas na superfície e duas barreiras móveis se deslocam no sentido de ‘comprimirem’ essas moléculas, formando um filme sobre a água.”

Quando se mergulha e se retira um substrato sólido a certa velocidade da cuba, devido a interações entre as moléculas e o substrato, o “filme de moléculas” se transfere para o substrato formando um filme de Langmuir-Blodgett. “Neste caso, para a imobilização da enzima, a água da cuba se tratava de uma solução tampão e a enzima (igualmente em solução tampão) foi injetada na sub-fase aquosa da cuba e esperou-se um certo tempo para que interagisse com a camada polar do filme, para depois ser transferida juntamente com ele ao substrato sólido”, acrescenta Fernandes.

Obtenção das plataformas

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Temperatura que a compostagem atinge na área de armazenagem

As plataformas também foram obtidas pelo método chamado camada-sobre-camada ou filmes baseados em bicamadas (do inglês Layer-by-Layer). “Este tipo de filme é fabricado a partir da imersão de um substrato sólido, tratado quimicamente (para possuir carga elétrica superficial), imerso em solução contendo moléculas (geralmente polímeros iônicos) de cargas opostas, por tempo suficiente para que se forme uma camada dessas moléculas por interação eletrostática”, afirma o pesquisador. “Em seguida, o substrato contendo a primeira camada é lavado e seco formando, assim, uma mono-camada.”

Fernandes conta que em seguida o substrato é imerso em solução contendo moléculas de cargas contrárias aos das primeiras moléculas (ou seja, iguais ao do substrato “cru”) e, como anteriormente, espera-se certo tempo e, após, o filme é lavado e seco e, então, uma nova camada se forma sobre o substrato (uma bicamada). “Para filmes de certa espessura, os processos anteriores são repetidos até o desejado”, diz. “Embora neste tipo de filme não haja organização molecular como o anterior, se pode controlar a espessura do filme e a ordem das moléculas que serão ‘ensanduichadas’”.

O biossensor testado na pesquisa apresentou propriedades melhoradas como reprodutibilidade (menos de 2% de desvio no sinal de resposta), limite dinâmico, sensibilidade e seletividade. “Assim, foi possível a quantificação de compostos fenólicos presentes no vinho tinto, e esta seletividade pode ser utilizada na melhoria dos eletrodos da Língua Eletrônica espanhola, equipamento adotado na análise de vinhos”, relata Fernandes. O processo de imobilização das enzimas por filmes LB permitiu um ambiente favorável à molécula biológica devido às interações bipolares e de hidrofobicidade favorável, permitindo uma melhor conformação e orientação das enzimas adsorvidas, preservando sua atividade. “Para o caso das bactérias, elas foram detectadas por meio de enzimas digestivas e, indiretamente, por meio da produção de compostos fenólicos produzidos pelas bactérias na presença de ácido salicílico. Contudo, os resultados com bactérias ainda são preliminares.”

A pesquisa, realizada no Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia do IFSC, também testou a aplicação das plataformas sensoras em biossensores baseados em Transistores de Efeito de Campo (FETs), além da utilização de moléculas capazes de mimetizar a atividade de enzimas na fabricação de biossensores baseados em enzimas artificiais.O Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ciência e Engenharia de Materiais é integrado pelo IFSC, Instituto de Química de São Carlos (IQSC) e Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP. O texto completo da tese pode ser acessado neste link. As moléculas sensoras usadas como enzimas artificiais foram sintetizadas pela professora Maria Luz Rodriguez Mendez, da Universidad de Valladolid, na Espanha, onde foi realizada parte da pesquisa de doutorado.

Os biossensores podem ser usados em várias aplicações. A mais comum é nas “fitinhas de diabetes” que quantificam o nível de glicose no sangue”. “No entanto, é possível utilizar biossensores para reconhecer doenças genéticas, moléculas associadas ao câncer, HIV, ebola, predisposição ao infarto, doenças negligenciadas como a leishmaniose e a dengue, etc”, ressalta o pesquisador. “Também podem ser utilizados para detecção de vírus e bactérias, indicar contaminação em meios aquosos ou em alimentos, reconhecer se houve adulteração no leite ou em sucos de frutas, averiguar a qualidade de bebidas em geral, entre inúmeras outras aplicações.”

Mais informações: email efernandes@ifsc.usp.br

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