Cursinho na Poli incentiva alunos carentes em sonho da universidade pública

Este ano, dos 140 inscritos, 11 ingressaram em unidades da USP e dois na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), num total de 13 aprovações (quase 10% dos inscritos).

Izabel Leão / Jornal da USP

Cecília Bastos / Jornal da USPxxxxxxxxxxxxxx
Cecília Bastos / Jornal da USP

O Cursinho do Grêmio da Escola Politécnica (Poli) da USP aumenta a cada ano o número de aprovados nas melhores universidades do Brasil. Este ano, dos 140 inscritos, 11 ingressaram em unidades da USP e dois na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), num total de 13 aprovações (quase 10% dos inscritos). Eles estão entre os aprovados nas mais concorridas faculdades da USP, como a Faculdade de Medicina (FMUSP), a Poli, a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e a Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP).

Os jovens que procuram o Cursinho do Grêmio da Escola Politécnica têm, em sua grande maioria, uma situação financeira precária e precisam de um cursinho popular que seja gratuito e os ajude na difícil tarefa de aprender o que ficou defasado na escola pública. Garra, determinação, força de vontade, coragem, foi o que moveu esses estudantes para alcançar o sonho de entrar numa universidade pública. Muitos deles ouviram, durante o ano todo, comentários de amigos e familiares: “Você não vai conseguir”, “Esse lugar não é para você”, “Vai trabalhar em vez de perder tempo estudando”. Nem isso foi motivo para desistirem. Depois de dois ou três anos estudando diariamente, cinco horas por dia, eles atingiram seus objetivos.

É esse o caso de Caroline Nascimento dos Santos, de 20 anos, que sempre quis estudar na Escola Politécnica. Ela sabia de todas as dificuldades: falta de dinheiro, longa distância entre o local de estudo e sua casa e defasagem de aprendizagem, entre outros problemas. Com determinação, pesquisando na internet, Caroline descobriu o Cursinho do Grêmio da Poli, como o curso é mais conhecido. Tinha todos os pré-requisitos para entrar no cursinho. Sua mãe, autônoma em contabilidade, fez de tudo para que ela pudesse dar vazão ao seu objetivo, desde que Caroline ajudasse no pequeno escritório, localizado em sua casa, no bairro do Grajaú, na zona sul paulistana. Ela estudou durante dois anos – ao mesmo tempo em que trabalhava com a mãe –, levando duas horas para chegar até o cursinho, com sua marmita, e indo a todos os plantões e simulados que eram oferecidos. Todo esse esforço resultou na aprovação, este ano, no curso de Engenharia de Petróleo da Escola Politécnica, oferecido no campus de Santos.

Caroline sabe que suas dificuldades não acabaram. Afinal, a moradia em Santos resvala na falta de dinheiro. Também com ajuda da coordenação do Cursinho do Grêmio da Poli, entrou com pedido de auxílios que a USP oferece para alunos carentes: moradia, alimentação, transporte e trabalho.

A gratidão de Caroline aos professores e tutores do cursinho é “infinita”. Para ela, há uma grande diferença entre o Cursinho do Grêmio da Poli e os cursinhos comerciais, um dos quais ela frequentou, até não ter mais dinheiro para pagar a mensalidade. “O cursinho comercial só se preocupa com os resultados dos simulados. O Grêmio da Poli quer mais do que isso”, afirma Caroline, destacando o Programa de Tutoria mantido pelo Cursinho.

Através desse programa, os professores do Grêmio se preocupam com o desempenho dos alunos, fazem o acompanhamento deles e, se não estiverem indo bem,  imediatamente orientam nessa dificuldade. Para eles, não somos só um número, mas sim pessoas com dificuldade e boa vontade.

Caroline faz questão de lembrar que sua mãe “sempre arrumou um jeito” para que ela e o irmão estudassem e tivessem uma carreira profissional. “Minha mãe não tem casa própria, não tem carro. A única coisa de valor que ela diz poder dar aos filhos é o estudo.”

Ritmo diferente

Outro aluno do Cursinho do Grêmio da Poli, Francisco Dantas, obteve uma conquista que milhares de jovens como ele tentaram e não conseguiram: foi aprovado nos vestibulares para o curso de Medicina da USP e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Morador no Capão Redondo, na zona sul paulistana, Dantas não esmoreceu estudando três anos para chegar ao seu objetivo. “Gosto bastante de ciências e sempre quis fazer Medicina. O Cursinho do Grêmio da Poli me ajudou bastante. O ritmo desse cursinho é diferente. Os professores tiram suas dúvidas pessoalmente”, observa.

No curso de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da USP ingressou Jorge Luiz do Nascimento, que mora no bairro do Grajaú. Ele sabia que queria ser engenheiro, mas não tinha noção sobre a área da engenharia a que deveria se dedicar. Foi quando o Cursinho do Grêmio da Poli deu uma palestra sobre profissões que ele se definiu por Engenharia Elétrica. Durante dois anos, trabalhou como auxiliar de controle de qualidade. No último semestre do ano passado, largou o trabalho para se dedicar ao estudo. Isso o ajudou a conseguir a nota necessária para a aprovação, que, segundo Nascimento, foi alta e a prova, “bem difícil”. Mesmo levando uma hora e meia para chegar ao cursinho, Nascimento nunca reclamou. “É no transporte público que eu relaxo e, muitas vezes, consigo chegar nos resultados dos exercícios que não consegui fazer”, conta.

Para Camila Cestone Olher, moradora no bairro de Artur Alvim, na zona leste de São Paulo, ingressar na Engenharia de Produção da Poli também exigiu dois anos de árduos estudos. Escolheu Engenharia de Produção porque gosta muito de matemática e álgebra. “Tenho muito interesse em controle de qualidade e gestão. Dizem que sou mandona e que por isso me darei bem gerenciando alguma coisa.”

Camila conheceu o Cursinho do Grêmio da Poli através do professor de inglês do ensino médio. Conta que o primeiro ano foi “muito difícil” porque havia matérias que ela nunca tinha visto na escola pública. “Tentava fazer os exercícios e não conseguia. O plantão de dúvidas do cursinho me ajudou muito”, conta.

A Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, com seu novo prédio, será onde Jefferson da Silva Martins, morador do Jardim Clementino, na divisa com Taboão da Serra, passará os próximos cinco anos estudando no período matutino. Aprovado graças ao seu esforço e à ajuda do Cursinho do Grêmio da Poli, Martins sempre quis entrar para a Polícia e ajudar na segurança das pessoas. Agora, pensa que através do direito poderá fazer isso usando as leis. “Para mim, estudar na USP era quase impossível. Foi pelo Cursinho do Grêmio da Poli que eu entendi que também podia alcançar meu sonho. O sistema de tutoria foi fundamental. Minha mãe trabalha na USP como ajudante de serviços gerais e me incentivou muito. Hoje ela comemora essa minha conquista feliz da vida”, diz Martins.

Sua tutora no Cursinho do Grêmio da Poli, Beatriz Sayuri, aluna do segundo ano de Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP, rasga elogios para  Jefferson. “Ele foi um aluno exemplar, muito esforçado, superdedicado, compromissado e interessado. Para ele, não tinha tempo quente.”

Para Beatriz, que é plantonista em química do cursinho, fazer esse trabalho voluntário é muito gratificante. “Gosto muito de ajudar pessoas com dificuldades financeiras e sem um bom ensino fundamental e médio a conseguir ingressar em universidades públicas. É muita alegria quando eles passam no vestibular.”

Missão: passar no vestibular

O Cursinho do Grêmio da Escola Politécnica da USP foi fundado em 1987, por iniciativa do então diretor da Escola Politécnica na época, professor Décio Leal de Zagótis, e compõe uma das atividades oferecidas pelo Grêmio da Poli, associação acadêmica máxima de todos os alunos da Escola Politécnica. Sua missão é auxiliar alunos de baixa renda, sem condições de custear um cursinho pré-vestibular comercial, a ser aprovado numa universidade pública.

Cecília Bastos / Jornal da USPxxxxxxxxxxxxxx
Cecília Bastos / Jornal da USP

Hoje o Grêmio da Poli é quem dá estrutura financeira para o cursinho. Com a renda das atividades de uma escola de idiomas, da lanchonete e do xerox, entre outras, o cursinho consegue oferecer 140 vagas por ano. É totalmente administrado pelos alunos da Escola Politécnica. As aulas são ministradas, em sua maioria, por estudantes de várias áreas do conhecimento da própria USP, que veem nesse projeto social uma forma de ajudar pessoas financeiramente carentes a se prepararem para os mais concorridos vestibulares do Brasil.

Atualmente, o Cursinho do Grêmio da Poli conta com 20 professores, 12 plantonistas, três colaboradores e dois funcionários. Ele oferece as matérias básicas cobradas no vestibular: Português, Matemática, Física, Química, História, Geografia, Biologia e Inglês.

Eduardo Raya, atual presidente do Grêmio Politécnico, aluno do terceiro ano de Engenharia Elétrica da Poli, diz que administrar as atividades do Grêmio ajuda a ter um aprendizado mais prático, uma vez que a Poli é bem teórica. “Como presidente, consigo ter uma noção maior de como se faz uma gestão de negócios, por exemplo.”

Para o diretor e coordenador pedagógico do cursinho, Daniel Szente Fonseca, aluno do terceiro ano de Engenharia Elétrica da Escola Politécnica da USP, diz que sua função no cursinho não é só ajudar quem está interessado em prestar vestibular. “Lecionar aqui me ajuda a crescer como professor, a ter noção de como expor uma boa aula teórica, a ter raciocínio rápido. Você acaba aprendendo muito”, afirma Fonseca, que dá aulas de Física no cursinho.

Originário de Ribeirão Preto (SP), Fonseca dedica boa parte do seu tempo ao cursinho. Assim que entrou na Poli, há três anos, foi logo se inscrevendo para ser professor plantonista. Hoje ele dedica boa parte de seu tempo ao cursinho. Ele diz que sabe a angústia de cada aluno que se inscreve e tenta resolver os problemas que muitos trazem de casa sem misturar profissionalismo com amizade.

Uma seleção rigorosa

Entrar no Cursinho do Grêmio da Poli não é nada fácil. São três etapas para o processo seletivo. A primeira fase é um teste com 65 questões. Na segunda fase, é feita uma entrevista socioeconômica, com a apresentação de documentos comprovando a baixa renda. Segundo o diretor Daniel Fonseca, essa etapa tem um peso muito grande na definição de quem fica no cursinho. Já a terceira fase constitui a chamada Semana Base de aulas. O candidato deve participar dos cinco dias de aulas, com cinco horas de duração, sem faltar, mostrando estar seriamente comprometido em participar da maratona de estudos até o final do ano. Aos sábados acontecem os simulados. O dia 23 de fevereiro foi o primeiro da Semana Base de aulas do cursinho. À noite, as duas salas de aula do prédio da Engenharia Elétrica da Escola Politécnica estavam lotadas, com cerca de 160 alunos. Como a oferta é de 140 vagas, 20 deles não seriam escolhidos.

Numa das salas estava o professor de Gramática Éverton Silva, aluno do curso de graduação em Letras e Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Ele explicava o novo acordo ortográfico. “É por causa de espaços como este que pessoas com dificuldades financeiras conseguem alçar voos maiores”, disse Silva, que, com suas aulas, retribui a chance que teve de estudar no mesmo cursinho.

Em outra sala, átomos, moléculas e células preenchiam o quadro verde e o professor de Biologia, Gabriel Antonine, aluno do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, explicava a taxonomia e nomenclatura utilizada na biologia. Os alunos não despregavam os olhos dele e faziam várias anotações.

Como Antonine e Silva, muitos professores e plantonistas são ex-alunos do Cursinho do Grêmio da Poli. É o caso de Julie Silva Assunção, que já está no segundo ano de Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP. “Foi muito difícil estudar para o vestibular, porque estava bem defasada nas matérias, mas o cursinho me ajudou a conseguir acreditar em mim e seguir em frente”, conta.

Cecília Bastos / Jornal da USPOs amigos Bruno Santos Silva e Brad Alex
Cecília Bastos / Jornal da USP
Os amigos Bruno Santos Silva e Brad Alex

Os amigos Bruno Santos Silva e Brad Alex, moradores em Parelheiros, na zona sul de São Paulo, levaram duas horas para chegar ao cursinho e assistir à primeira aula da Semana Base. Eles trabalham juntos na área administrativa de uma empresa de móveis e querem ser economista e engenheiro civil, respectivamente.

Kauan de Paulo, tentando o segundo ano de cursinho, também na aula da Semana Base não esquece da engenharia mecânica. Morador em Carapicuíba, vai ter que trabalhar este ano como atendente de telemarketing para ajudar a mãe, que é sozinha para sustentar mais dois irmãos. “Eu quero e vou conseguir”, diz enfaticamente.

As aulas do cursinho pré-vestibular gratuito acontecem na Av. Professor Almeida Prado, 128 – Travessa 2, Cj Biênio, dentro da Cidade Universitária, em São Paulo.

Mais informações: site http://cursinhodogremiodapoli.blogspot.br

Scroll to top