Defesa do samba paulista é forma de resgate das tradições

Diferença do samba paulista estaria na sua origem rural e ritmo marcado.

Juliana Brocanelli / Agência USP de Notícias

O samba paulista é diferente do samba carioca. É isso que dizem os sambistas mais tradicionais de São Paulo e o que estuda a tese de doutorado A memória do samba na capital do trabalho: os sambistas paulistanos e a construção de uma singularidade para o samba de São Paulo (1968-1991), de Lígia Nassif Conti. A pesquisa se atenta ao discurso que busca enaltecer a singularidade do samba de São Paulo, tanto verbal quando musicalmente.

De acordo com a pesquisa, realizada no Departamento de História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o principal argumento dos sambistas para diferenciar os dois sambas estaria nas suas origens e no espaço que obtiveram dentro das cidades. Acredita-se que, em São Paulo, o gênero tenha surgido, em meados da década de 1910, nas festas das colheitas de café, assumindo uma tradição rural negra, carregada dos batuques afro-brasileiros, além do sotaque caipira e um ritmo mais marcado.

Além disso, a alcunha de cidade cosmopolita e fruto do progresso restringiu os espaços informais como reduto do samba, ao contrário do Rio de Janeiro, onde o samba é o símbolo-mor. A valorização do “samba rural” seria, segundo Lígia, uma tentativa de mostrar ao mundo outras facetas da cidade de São Paulo. Relembrando o samba marcadamente negro, rural e popular, os defensores do samba paulista vão na contramão da exaltação do progresso da cidade.

Mudanças

Outra constatação é que o discurso dos sambistas e entusiastas da música popular encontra amparo nas próprias composições. Lígia analisou 20 canções, compostas entre 1968 e 1991, de Geraldo Filme, Osvaldinho da Cuíca e Toniquinho Batuqueiro. A partir disso, foi possível perceber uma “narrativa de lamentação”, de saudade, e o uso de certos instrumentos tipicamente caipiras como bumbo, caixa e reco-reco de bambu, utilizados nas manifestações do samba na cidade de Pirapora do Bom Jesus. Além deles, também compõem a lista de “instrumentos tracionais” a frigideira e a caixa de engraxate, recorrentes nas realizações do samba na capital.

A década de 1970 marca uma série de transformações para o samba paulista. Com a oficialização do Carnaval, em 1968, os antigos cordões e blocos de carnaval são padronizados aos moldes cariocas. Associado à intervenção institucional, há a consolidação da industrialização da cidade de São Paulo. Lugares como o Largo da Banana — onde está atualmente o Memorial da América Latina — conhecidos pelas rodas de samba, são engolidos pelo desenvolvimento paulistano.Há grande repercussão nas composições de samba, que vão, aos poucos, perdendo sua caracterização caipira.

A partir desse marco cronológico, o discurso de diferenciação do samba ganha força, na tentativa de resgatar sua origem e a cultura negra da cidade de São Paulo. Os movimentos atuais de exaltação e preservação da tradição do samba paulista representam uma continuidade da narrativa dos sambistas. No final de 2013, o reconhecimento institucional veio com o tombamento do samba paulistano como patrimônio imaterial de São Paulo.

Para desenvolver a tese, Lígia entrevistou Germano Mathias, Osvaldinho da Cuíca e Mestre Divino, ícones do samba paulista, além de se utilizar de entrevistas cedidas por outros pesquisadores. O doutorado contou com a orientação da professora Maria Inez Machado Borges Pinto, do Departamento de História da FFLCH, e coorientação do professor Carlos Sandroni, da Universdidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Mais informações: email ligianconti@usp.br

 

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