Estudo da EERP demonstra que captação de órgãos para doação pede abordagem especial

Profissionais que atuam nessa área não transmitem confiança à família e não passam informações necessárias para a compreensão do tema.

João Ortega/Agência USP de Notícias

Um estudo realizado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP analisou a visão de algumas famílias em relação ao trabalho de profissionais da área de saúde no processo de captação de órgãos. Os familiares de uma pessoa que sofreu morte encefálica (perda definitiva das funções cerebrais) afirmam, em sua maioria, que a abordagem dos profissionais de saúde no momento da morte é problemática em diversos sentidos.

A pesquisa foi realizada pelo enfermeiro Elton Carlos de Almeida, em sua dissertação de mestrado realizada no Departamento de Enfermagem da EERP, defendida no dia 12 de janeiro. Segundo Almeida, nem todas as famílias apontam problemas no trabalho de profissionais de saúde na hora de abordá-las para captação de órgãos. Entretanto, analisando uma série de trabalhos, essa foi a visão majoritária.

O estudo, orientado pela professora Sonia Maria Villela Bueno, utilizou o método da revisão sistemática, no qual o autor coleta textos da literatura acadêmica sob um critério específico. No caso, os artigos utilizados foram apenas os brasileiros, produzidos entre 2001 e 2011, que respondiam a pergunta: “qual a visão dos familiares, que passaram pela abordagem para doação de órgãos, referente à atuação dos profissionais que atuam neste processo?”. Foram encontrados 265 textos que se encaixavam no critério. Então, o pesquisador submeteu esses textos a um teste de confiabilidade, o que delimitou a pesquisa a seis artigos.

Problemas

A pesquisa demonstrou que os problemas dos profissionais de saúde na área da doação de órgãos pode ser classificada em três tipos. O primeiro é a falta de confiança passada por eles às famílias. Pela causa da morte encefálica ser uma questão delicada, elas desconfiam do diagnóstico dos médicos, devido à falta de credibilidade que eles mostram. Por exemplo, existem familiares que imaginam, por causa de boatos que ouvem, que os profissionais tem interesse na venda dos órgãos, e que o parente não está totalmente incapaz. O pesquisador ressalta, porém, que nenhum caso do gênero foi comprovado.

Outro problema está na falta de acolhimento e compreensão dos profissionais no momento de perguntar sobre a doação de órgãos, logo após o óbito. Como é uma hora difícil para os familiares, a abordagem do responsável por essa questão deve ser a mais sutil e respeitosa possível, e isso não é sempre o que acontece.

O outro fator é a falta de informação que a família recebe dos profissionais. Este tipo pode ser subdividido em dois itens. O primeiro é a falta de informação a respeito da morte encefálica, que é um tema pouco conhecido pelo público leigo, o que acaba gerando incertezas dos parentes do falecido. O segundo é a falta de explicação sobre as questões burocráticas que envolvem a doação de órgãos. O corpo do doador precisa ser levado ao Instituto Médico Legal (IML) para avaliação, precisa ir a uma funerária, entre outras obrigações. Isso pode causar diversos incômodos à família, o que às vezes leva a uma desistência da parte dela em relação a doação.

Educação

O interesse de pesquisar sobre doação de órgãos é antigo e pessoal para Almeida. Ele passou por um transplante de córnea, em 2007, quando era graduando em enfermagem. “Eu percebi que havia lacunas no preparo profissional”, conta. A questão é muito incipiente, e os profissionais da área não tem preparo emocional para lidar com ela, segundo o enfermeiro.

O pesquisador realizou uma iniciação científica, na qual estudou a atuação dos profissionais nesse quesito, e confirmou suas impressões inciais. Resolveu então realizar o mestrado sobre o mesmo tema, mas na visão dos familiares. Agora, Almeida está preparando um trabalho de doutorado, cujo objetivo é melhorar a formação dos enfermeiros nesse quesito.

[Os profissionais] precisam ser preparados tanto tecnicamente quanto emocionalmente”, sugere o pesquisador. “A culpa não é deles”. Para Almeida, a doação de órgãos precisa ser uma questão educativa, tanto na graduação de enfermagem, quanto na sociedade como um todo. Com profissionais de saúde bem preparados para o assunto, e famílias que sabem o significado da morte encefálica e se seus parentes desejam ser doadores ou não, as filas de necessitados de órgãos seriam menores.

Mais informações: (16) 8111-7244, email ecarlos23@gmail.com, com Elton Carlos de Almeida;  (16) 3602-3425, email smvbueno@eerp.usp.br , com a professora Sonia Maria Villela Bueno 

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