Modelos experimentais voltados ao ensino ajudam a entender – e produzir – ciência

No Laboratório de Matéria Mole da EACH, Alberto e Adriana Tufaile desenvolvem projetos de pesquisa e ensino de ciências.

As formas geométricas são objeto de curiosidade e estudo há milênios. Seduziram Platão, os expoentes da escolástica e, inclusive, René Descartes, considerado precursor da filosofia moderna, que tentou explicar por meio da geometria um interessante fenômeno atmosférico chamado parélio.

Por provocar efeitos luminosos próximos ao sol, inúmeras explicações foram dadas a estas aparições ao longo da história, até mesmo associando-as a eventos místicos. Recentemente, utilizando espuma e luz de laser, pesquisadores Laboratório de Matéria Mole da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP acabaram produzindo um modelo que ajuda a explicar o fenômeno de forma até então nunca proposta.

Observável em regiões muito frias, devido à interação com cristais de gelo que estão suspensos no ar, a incidência da luz solar pode provocar o surgimento de manchas, como se houvesse outros sois no céu. Há a formação do chamado círculo parélico, que é um halo em torno do sol, além de algumas linhas. Até hoje, estudiosos justificaram o efeito baseados em uma parte da teoria física, a óptica geométrica. O que, entretanto, foi deixado de lado por anos foi a necessidade de se considerar a óptica ondulatória para o correto entendimento do fenômeno. Os professores Alberto Tufaile e Adriana Tufaile foram os primeiros a levantar a questão da importância de se considerar o comportamento de onda da luz para descrever o parélio.

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Foto: Wikimedia Commons

Utilizando espuma criada com detergente comum e uma ponteira a laser, foi possível reproduzir o fenômeno celeste em laboratório. Segundo o professor Alberto Tufaile, o encontro de três filmes de bolhas é chamado borda de Plateau. Ao se atingir com laser esse vértice de encontro das bolhas, que possui forma triangular e o tamanho de um cristal de gelo, os cientistas conseguiram difratar a luz tal qual acontece no efeito natural. Os padrões luminosos observados foram nomeados fazendo uma analogia ao fenômeno atmosférico. No modelo criado, o círculo parélico foi chamado de círculo parleisérico, em uma livre substituição do termo hélico, relativo a sol, pelo termo laser.

A difração ocorrida, explicam os cientistas, já é bastante conhecida, enunciada na forma “raios difratados são produzidos por raios incidentes quando atingem bordas”. Entretanto, a difração do laser no vértice da borda de Plateau se dá na forma de cone, resultando em uma imagem circular. A descoberta está descrita em artigo publicado na revista Physics Letters A.

Ensino de ciências

Alberto e Adriana Tufaile ministram disciplinas de laboratório na Licenciatura em Ciências da Natureza na EACH. A criação de modelos físicos que expliquem modelos reais – como o parélio – é, assim, de grande interesse. No Laboratório de Matéria Mole, os professores lidam com materiais que possuem alguma anisotropia, ou seja, que apresentam propriedades diferentes de acordo a posição em que são determinadas, como é o caso da espuma, e também do cristal líquido, do colesterol humano, da areia e dos ferrofluidos.

Com a proposta de utilizar situações que tenham relação com nosso cotidiano para o ensino de ciências, os professores do laboratório e o aluno Renan Amorim têm desenvolvido um projeto que associa magnetismo a corpos celestes. “O objetivo inicial é fazer uma coisa didática de ensino, sem a ambição de descobrir algo novo sobre planetas e estrelas. Mas é claro que a gente pode esbarrar em alguma coisa interessante, já que a interação de física básica e ensino é bastante frutífera”, comenta Adriana.

No trabalho, eles simulam, com o auxílio de ferrofluido e ímãs, o campo magnético gerado pelo Sol interagindo com o campo magnético presente na Terra. Com um campo magnético muito forte e dinâmico, o Sol sofre inversões de polos em períodos de 12 a 20 anos e, durante essa mudança, surgem vários polos, visualizados na forma de manchas solares.

Foto: Wikimedia Commons
Foto: Wikimedia Commons

Principalmente nos momentos de mudança, ocorre uma grande emissão de partículas cósmicas eletricamente carregadas. Os fenômenos das auroras boreal e austral, explicam os físicos, é formado pela aproximação dessas partículas à superfície terrestre. Por conta do formato do campo magnético, elas chegam mais próximas nos polos e, em contato com a superfície ionizante – em especial nos períodos de tempestade solar, quando o Sol emite uma maior quantidade delas –, emitem luz.

O ferrofluido, no experimento, é constituído por nanopartículas de ferro envoltas em sabão, o que faz com que as partículas flutuem sem se unirem. Com o uso dos ímãs, o ferrofluido se alinha às linhas do campo magnético formado. E, na construção de um modelo mais próximo do real, além do campo magnético estático, os pesquisadores inseriram um campo oscilante, que se soma àquele. “No modelo, o líquido se deforma, mas também afeta o campo magnético. São muitos vetores e se fosse pra mandar todos os dados pra um supercomputador, o resultado, ainda assim, poderia ser impreciso. Como a gente trabalha com sistemas físicos reais, é esse o resultado que a gente mostra.”

Ao tornarem palpável o conhecimento com a elaboração de modelos semelhantes aos reais, seja para os fenômenos da difração da luz, seja para os de campo magnético, os pesquisadores conseguem chamar a atenção para o que se está querendo demonstrar. Segundo o casal de físicos, o ensino dá vazão a perguntas que direcionam o trabalho de pesquisa, dado que estimulam a visão de coisas novas e, como Descartes, eles concordam que os questionamentos são chave para o conhecimento.

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