Debate sobre liberdade de expressão traz à tona novas formas de censura

O Obcom foi criado com o objetivo de estudar as diversas formas de censura nas artes e nos meios de comunicação.

A liberdade de expressão é um direito constitucional, porém ainda levanta inúmeros debates em relação à sua aplicabilidade. No começo do ano, o tema voltou à discussão quando dois homens armados com fuzis invadiram a redação do jornal satírico francês Charlie Hebdo e mataram 12 pessoas. A publicação é conhecida por produzir caricaturas satíricas do profeta Maomé e, assim, contrariar a comunidade islâmica.

Com o intuito de debater as questões ligadas à defesa da liberdade de expressão cotidiana e os conflitos e polêmicas referentes à pluralidade e à intolerância, o Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (Obcom), sediado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, em parceria com o Instituto Palavra Aberta, promoveu nos dias 21 e 22 de maio o seminário 2015: Liberdade de Expressão e seus Limites.

O evento recebeu palestrantes de opiniões diferentes para analisar tanto os impactos do caso do Charlie Hebdo como outras situações envolvendo a temática.

Foto: Marcos Santos
Foto: Marcos Santos

No dia 21, a apresentação foi organizada em torno de três mesas temáticas. O segundo dia do seminário foi dedicado à exposição de trabalhos referentes ao tema.

A primeira mesa discutiu o tema “2015: Liberdade de Expressão e seus Limites – Suis-je Charlie Hebdo?”. O ministro da Educação e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Renato Janine, enviou sua colaboração para o debate por meio de um vídeo, onde ressaltou que mesmo existindo grupos que defendem a liberdade irrestrita, não se pode esquecer que há pessoas que condenam o ataque, porém acreditam que o jornal feria os sentimentos dos muçulmanos. Segundo o professor, não é aceitável o impedimento da liberdade, entretanto ela não deve ser usada como uma arma.

O debate teve a participação da diretora do Arquivo Geral do Rio de Janeiro Beatriz Kushnir, que fez algumas reflexões em relação ao acesso à informação. De acordo com a pesquisadora, ter contato com os documentos produzidos pelo Estado, no período da ditadura militar brasileira, é um passo importante para alcance da liberdade de expressão.

Foto: Marcos Santos
Foto: Marcos Santos

Já o jornalista e professor da ECA Eugênio Bucci acredita que a democracia não é feita de certezas. Sendo assim, cabe à imprensa não almejar trazer a verdade absoluta, mas suscitar diversas dúvidas referentes a um assunto. Desse modo, é essencial preservar a informação de qualquer censura prévia.

Com o tema “O desafio da defesa cotidiana da liberdade de expressão”, a segunda mesa contou com participação de Gustavo Binenbojm, procurador do Estado do Rio de Janeiro. Ele frisou que a censura, na maioria das vezes, vem travestida de argumentos relacionados à moral e aos bons costumes e até mesmo em defesa da democracia.

Ricardo Gandour, diretor de conteúdo d´O Estado de S.Paulo, relacionou o tema com o jornalismo. Segundo ele, é necessária uma boa apuração dos fatos, porém, algumas vezes, a imprensa comete erros, mas essas falhas só são percebidas quando há plena liberdade de expressão. O pesquisador Fernando Schüler, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), também ressaltou a importância do acesso à informação. Para o professor, as pessoas não devem defender uma visão que vai contra suas convicções, mas o direito dessa opinião ser apresentada.

A última mesa, “Liberdade de Expressão: Polêmicas Conflitos, Intolerância e Pluralidade”, contou com a presença de Elias Thomé Saliba, especialista na produção humorística brasileira e professor da FFLCH. Ele comenta que a censura ao humor é uma das mais perversas, pois as piadas não são feitas apenas para causar o riso, mas também para criar uma distância, levando a sociedade a refletir sobre sua realidade.

A historiadora e professora da FFLCH Maria Luiza Tucci realçou a forma como algumas charges retratam determinados povos. Geralmente elas acabam reforçando mitos e estereótipos que não condizem com a vida real dessas comunidades, podendo instigar o ódio e a preservação dos estigmas, afirma a professora. No final do evento, o Procurador Geral da República Marcelo Moscogliato expôs alguns casos de censura prévia pelo judiciário e declarou que essas decisões, muitas vezes, passam despercebidas pela população.

Censura ontem e hoje

O Obcom foi criado em 2012 com o objetivo de estudar as diversas formas de censura nas artes e nos meios de comunicação. De acordo com a coordenadora do Observatório, a professora Maria Cristina Costa, as pesquisas em torno da temática da liberdade de expressão começaram muito antes da oficialização do núcleo, que é hoje um dos Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) da USP.

Em 2000, a professora Cristina, na época presidente da comissão de biblioteca, se interessou em formar um grupo de pesquisadores para estudar o Arquivo Miroel Silveira, que contém diversos processos de censura prévia ao teatro de 1930 a 1970. Os documentos foram retirados do Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo e trazido para a ECA pelo professor Miroel Silveira.

Assim, no início, o grupo se dedicou a estudar a censura burocrática efetuada pelos censores do Estado. Com o tempo, este modo de controle foi se extinguindo, porém emergiram diversos outros recursos de censura indireta, agora não mais realizada apenas pelo o governo, e é buscando estudar este novo cenário que foi criado o Obcom.

Apesar de hoje o processo censório ser outro,
a tradição censória é muito semelhante [ao século 20].

Foto: Marcos Santos
Foto: Marcos Santos

A partir da experiência da análise do Arquivo Miroel Silveira, os pesquisadores passaram a monitorar as formas de censura na atualidade. E mesmo com o novo foco, os estudos anteriores ainda influenciam em suas conclusões. “Apesar de hoje o processo censório ser outro, a tradição censória é muito semelhante [ao século 20]” declara a coordenadora.

Uma das formas de realizar este monitoramento é por meio da Hemeroteca Digital Miroel Silveira. Lançada pelo núcleo em 2012, é uma iniciativa que reúne uma série de notícias sobre liberdade de expressão, publicadas nas diversas plataformas online (jornais e blogs) em português, inglês e espanhol. Um grupo de pesquisadores seleciona o material, que é organizado de acordo com a temática abordada (gênero, humor, educação, entre outros) e analisado por um comitê científico.

Semestralmente, é realizada uma reunião em que os resultados das pesquisas desenvolvidas pelo Observatório são apresentados, colocando em discussão o panorama geral da censura no mundo.

Mais informações: site www.obcom.nap.usp.br

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