Exame clínico pode ser feito com folha de papel e smartphone

Microdispositivos baseados em papel fornecem diagnóstico clínico de baixo custo e acesso via celular.

Por Agência USP de Notícias / Hérika Dias 

Coletar amostra da própria urina, colocá-la em uma folha de papel com reagentes e fazer a leitura do diagnóstico e monitoramento de doenças, como diabetes, pelo smartphone. Pode parecer uma situação futurística, mas é uma técnica de autoexame clínico já existente e estudada há mais de seis anos por pesquisadores do Grupo do Bioanalítica, Microfabricação e Separações (BioMicS), do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP.

Uma das pesquisas é do químico Giorgio Gianini Morbioli, que sob orientação do professor Emanuel Carrilho, aprimorou as funcionalidades desse papel com reagentes, chamado de dispositivos microfluídicos analíticos baseado em papel, permitindo maior tempo de durabilidade do dispositivo até a realização do teste clínico. Outra inovação do estudo foi criar um software para a análise dos resultados pelo celular. O foco da pesquisa de Morbioli foi a diabetes, mas a técnica pode ser utilizada para outras doenças, como periodontite, nefrite, câncer de próstata, etc.

Esses microdispositivos facilitam que as pessoas possam fazer exames clínicos sozinhas. Segundo o químico, isso é possível porque as amostras utilizadas são de fluídos biológicos obtidos de maneira não-invasiva, como lágrimas, urina, suor e saliva. Os fluídos são colocados nos dispositivos, que contêm reagentes, e fornecem as análises das amostras.

“Os dispositivos microfluídicos analíticos baseado em papel, também chamados de μPADs, são feitos em papel de laboratório, que difere do papel comum por ser composto apenas por celulose. O papel recebe aplicações de cera para se criar regiões hidrofóbicas (que repelem água)”, afirma o pesquisador.

No papel, também são aplicados reagentes químicos, que serão os responsáveis por interagir com as amostras dos fluídos biológicos. “Esses caminhos construídos no papel com a cera agem como barreiras para guiar a amostra até as áreas específicas onde estão os reagentes. A reação entre amostra e reagente leva a alterações de cor que podem ser percebidas a olho nu, por exemplo, quanto mais colorido o papel, mais reagente tem a amostra”, detalha Morbioli.

Diabetes

Na detecção da diabetes pelo dispositivo, o nível de açúcar na amostra da urina será constatado pela interação com os reagentes, no caso, a enzima glicose oxidase. Para aperfeiçoar o microdispositivo para o diagnóstico da diabetes, Morbioli conseguiu imobilizar a enzima em uma camada de papel e adicionar os demais reagentes químicos em outra camada, gerando um dispositivo em três dimensões.

“A vantagem da imobilização da enzima no papel é a sua preservação por mais tempo, além disso, os reagentes ficam armazenados no próprio dispositivo. Isso aumentou o tempo de durabilidade do dispositivo para a realização dos testes clínicos”.

Esses dispositivos têm baixo custo, facilidade de uso, baixo consumo de reagente e de amostra, portabilidade e descartabilidade. Ele é uma ferramenta de diagnóstico acessível e pode ser disponibilizado para regiões remotas, sem acesso a laboratórios clínicos.

Smartphone

Além de aumentar o tempo de durabilidade dos dispositivos com o aumento da estabilidade dos reagentes neles imobilizados, a pesquisa de Morbioli apresentou ainda um aplicativo para celular para fazer a “leitura” do resultado das amostras de maneira automática. O aplicativo foi desenvolvido pelo cientista da computação Thiago Miranda, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

“Para o teste de diabetes, coloca-se a urina no dispositivo, espera trinta minutos e surge a coloração no papel. Fotografa-se com a imagem com a câmera do celular e o próprio aplicativo apresenta o resultado a partir de um software”, conta o químico.

Na abordagem inicial desses dispositivos, a análise da imagem era feita manualmente e tinha que ser enviada a um especialista para fazer a análise. O aplicativo dispensa a mobilização de profissionais treinados e equipamentos, fazendo com que o teste diagnóstico esteja disponível até mesmo em locais remotos.

Linha da pesquisa

A pesquisa fez parte da dissertação de mestrado do químico, que será defendida em junho. Os estudos sobre dispositivos microfluídicos analíticos baseados em papel no grupo BioMicS, do IQSC, foram iniciados no grupo de pesquisa do professor George Whitesides, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em 2007, quando o professor Carrilho realizava um pós-doutoramento. Hoje em dia, muitos grupos de pesquisa no mundo e também no Brasil desenvolvem trabalhos nessa linha multiplicando as possibilidades de avanços nas pesquisas.

Outras linhas de pesquisa do grupo BioMicS para diagnósticos de baixo custo envolvem o desenvolvimento de plataformas de papel para a detecção de câncer e a realização de imunoensaios para detecção de malária, de grande relevância à saúde pública. “A ideia é oferecer tecnologias de baixo custo para diagnósticos que alcancem àqueles que delas necessitam, suportando assim a medicina preventiva, diminuindo-se gastos com tratamentos tardios e mais custosos”, destaca o professor Carrilho.

Mais informações: email morbioligg@gmail.com, com Giorgio Morbioli.

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