Férias: na USP, é hora de aprender

Em sua 10ª edição, Encontro USP-Escola debate currículos escolares no País e oferece 13 cursos de aprimoramento profissional para professores da rede pública estadual.

Em sua 10ª edição, Encontro USP-Escola debate Base Nacional Comum – documento que vai fornecer as bases dos currículos escolares no País – e oferece 13 cursos de aprimoramento profissional para professores da rede pública estadual

Férias. Tempo de descansar, certo? Errado. Nesse período, muitos professores deixam de lado os passeios e o convívio com a família para ficar detrás da carteira, aprendendo. Buscar novos conceitos e reciclar conhecimentos têm um objetivo nobre: prender a atenção dos alunos e aprimorar a aprendizagem em sala de aula. Com esse pensamento, cerca de 500 professores da rede pública de ensino do Estado de São Paulo participaram do 10° Encontro USP-Escola, entre os dias 13 e 17 de julho.

O projeto feito para eles e por eles – já que o diferencial do encontro é o envolvimento dos próprios docentes na escolha das temáticas das palestras, dos cursos, das oficinas e das práticas de laboratórios – conta com a parceria de diversas unidades da USP e a coordenação da professora Vera Bohomoletz Henriques, do Instituto de Física (IF) da USP.

Esta 10ª edição trouxe à Universidade caras novas nas férias do Instituto de Física, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), da Escola de Comunicações e Artes (ECA), do Instituto de Química (IQ), do Instituto de Oceanografia (IO), da Faculdade de Medicina (FMUSP) e até do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP.

Foto: Marcos Santos  / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Os participantes aprimoraram conhecimentos em microscopia instrumental, física óptica, tecnologia da informação e comunicação em ambientes educacionais, história da ciência, educação especial e química, além de dispor de vários cursos nas áreas de humanas, como artes visuais, museus e escolas; educação midiática e práticas educomunicativas; literatura e ensino da língua portuguesa; material didático em inglês e outros voltados à gestão escolar. Foram oferecidos 13 cursos, com duração de 40 horas cada.

As questões relacionadas à Base Nacional Comum (BNC), documento que servirá de referência para os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio, foram debatidas por cerca de três horas, durante a palestra inaugural do diretor de Currículos e Educação Integral do Ministério da Educação (MEC), Ítalo Dutra (saiba mais no final da página).

Para a coordenadora Vera Henriques, além de oferecer formação e atualização, o evento tem sido um importante fórum de debates. “Professores do Estado inteiro interagem nesses eventos, trazendo questões sobre as formas de agir nas escolas, metodologias, conteúdos, gestão democrática e muitos outros temas”, afirma Vera.

Os palestrantes abordaram assuntos que preocupam e trazem polêmicas nas salas de aula. A professora Maristela Basso, da Faculdade de Direito (FD) da USP, falou sobre redução da maioridade penal e o custo da falência do sistema prisional.

O professor Vitor Paro, da Faculdade de Educação (FE) da USP, discutiu as dificuldades e as práticas da gestão escolar democrática. Essa temática mobilizou também um curso, que teve a sala lotada. Outros debates focaram a democratização do conhecimento das pesquisas, a física como tema do Ano Internacional da Luz, agrotóxicos no Brasil e democracia e exclusão no Brasil Republicano.

Novas ideias

O encontro, que acontece sempre nos meses de janeiro e julho e teve sua primeira edição em 2010, recebeu aproximadamente 1.200 inscritos nos últimos semestres. É uma oportunidade acompanhada com atenção pelos interessados, seja nos sites das Secretarias de Educação, das Diretorias de Ensino ou na página da Comissão de Cultura e Extensão Universitária do IF, que divulga as atividades acadêmicas oferecidas para os mais variados públicos.

Outros segmentos também participaram deste 10° Encontro USP-Escola. É o caso de Silvio Higa, biólogo que dá aulas em escola de uma empresa privada. “Sempre faço esses cursos, pois ajudam no aprimoramento das minhas aulas e trazem novas ideias para as atividades com os alunos”, diz.

Sempre faço esses cursos, pois ajudam no aprimoramento das minhas aulas e trazem novas ideias para as atividades com os alunos. – Silvio Higa, biólogo

A grande maioria se inscreve por indicação de colegas. O nível de satisfação dos que já participaram dos cursos chega a 96%, segundo um levantamento feito nos encontros anteriores.

Foto: Marcos Santos  / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

O sucesso dessa via de atualização, com temas que dialogam diretamente com o trabalho desenvolvido em salas de aula, tem uma receita. Tudo é discutido mensalmente, durante as reuniões do GT USP Escola, um grupo de trabalho que organiza e debate com antecedência cada encontro.

“O trabalho do GT começou antes dos Encontros USP-Escola e foi criado por professores que sentiam dificuldades de pôr em prática as metodologias e experimentos que viam nos cursos de formação. Com essa interação, descobriram que podiam se auxiliar na descoberta de caminhos para os problemas enfrentados nas suas escolas. Atualmente realizamos reuniões mensais, todo sábado, aqui no Instituto de Física”, afirma a professora Vera.

Segundo Vera, os Encontros USP-Escola tiveram sua origem num projeto que ela apresentou com o professor Mikiya Muramatsu, também do Instituto de Física, ao programa Novos Talentos, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Mas a demanda dos professores da rede pública cresceu e os idealizadores viram a oportunidade de reunir os cursos de formação de professores dispersos pela Universidade. Ganharam a parceria de outras unidades, atraindo participantes que já foram premiados ao usar as ferramentas aprendidas.

Inclusão

“Não me conformava em ter um aluno deficiente isolado na sala, que só se comunicava com o tradutor. Eu não apenas aprendi a linguagem de Libras, como contagiei a todos a aprender sinais. Meus alunos surdos estão agora interagindo com colegas e funcionários da escola. Pelo menos conseguem manter uma comunicação básica”, diz a pedagoga Sueli Maria de Andrade Alves da Cruz, professora de educação especial na Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Benedito Venancio, de Barueri, que tem cerca de 200 alunos.

Não me conformava em ter um aluno deficiente isolado na sala, que só se comunicava com o tradutor. – Sueli da Cruz, pedagoga

esp_us_005Desde 2011, a Emei é uma escola-polo de Atendimento Educacional Especializado (AEE) para surdez. Mas atende também crianças com outras deficiências. “Os cursos dos quais participei aqui me ajudaram a abordar conteúdos para crianças com as deficiências que atendo, como surdez, Down, surdo-cegueira e autismo”, diz a pedagoga, que participa pela terceira vez dos encontros e aprendeu parte dos conhecimentos em Libras num curso da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.

O trabalho realizado trouxe a Sueli o 3° lugar do Prêmio Professor Giz de Ouro de 2012, concedido pela Prefeitura de Barueri. Seu projeto Pais Eficientes envolveu toda a comunidade e não só a escola, com um foco especial nas famílias. Através do que chamou de “rodas de conversas”, ou reuniões mensais, desenvolveu a autoestima das famílias e estimulou a integração dos pais com o ambiente escolar.

“É muito difícil encontrar bons cursos nessa área e por isso a gente não sai do pé dos professores da USP”, brinca a pedagoga Lucineide Pereira da Silva Aguilar, professora do Colégio Municipal Imideo Giuseppe Nerici, de Santana de Parnaíba.

Segundo Lucineide, a língua de sinais não está totalmente pronta, quer dizer, é um conhecimento em construção e sua tradução ainda está em andamento. “São poucos os bons especialistas. Este curso, aqui no Encontro USP-Escola, está abordando justamente as características de adaptação na educação especial, mostrando que as práticas pedagógicas podem variar muito de um aluno para outro, mesmo que a deficiência seja a mesma”, afirma a professora.

Microscópio

“Muitos professores possuem microscópios nas escolas, mas não sabem como manusear ou não possuem as ferramentas ou conhecimentos para o ensino de biologia”, afirma uma das coordenadoras do curso Instrumental de Microbiologia, professora Vanessa de Freitas, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

O curso não apenas deu novos subsídios à prática dos docentes como também forneceu um kit com lâminas histológicas preparadas com tecidos animais e vegetais, acompanhadas de folhetos explicativos dos cortes histológicos.

“Entre outras técnicas, ensinamos uma atividade em particular que chama muito a atenção dos alunos. Fazemos o esfregaço bucal, que é colher células epiteliais da bochecha. A pessoa fica interessada em ver suas próprias células e isso estimula os estudantes”, afirma a outra coordenadora do curso, professora Carolina Beltrame Del Debbio, também do ICB.

Foto: Marcos Santos  / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

“Meus alunos me perguntaram por que nunca haviam utilizado o microscópio nas aulas de biologia na escola e ficaram muito excitados com o uso desse equipamento”, conta Natália Braz Pereira, professora em duas escolas estaduais na zona norte de São Paulo, que também já participou de outros cursos do Encontro USP-Escola.

A cirurgiã-dentista Andréia Neves Asami, professora de escolas estaduais em Santo Amaro e Interlagos, procurou o curso ministrado pelo professor Chao Lung Wen, da Faculdade de Medicina da USP, para reciclar conhecimentos e tomar contato com novas ferramentas. No curso, os alunos se aproximam das possibilidades virtuais e em 3D para o estudo do corpo humano, com o auxílio do que o professor Wen chama de Homem Virtual.

“Dou aula em salas muito numerosas e preciso de recursos atuais para prender a atenção dos alunos. Só giz e lousa não funcionam mais, especialmente para esta geração digital. Além disso, vim buscar reciclagem de conhecimentos”, afirma Andréia.

Dou aula em salas muito numerosas e preciso de recursos atuais para prender a atenção dos alunos. Só giz e lousa não funcionam mais. – Andréia Asami, cirurgiã-dentista

“Repensando os Currículos de Física por Meio de Episódios da História da Ciência” foi o curso coordenado pelo professor Ivã Gurgel, do Instituto de Física, que já ministrou diversos cursos em diferentes edições do Encontro USP-Escola. “Buscamos propor uma perspectiva humanista da ciência, aproximando-a da filosofia e de questões sociais. A meta é refletir sobre as práticas em sala de aula e os objetivos educacionais que as aulas de ciências devem cumprir”, afirma o professor, que pesquisa a área de ensino de física.

“Notei que neste curso, em especial, os professores raramente tiveram a oportunidade de estudar história da ciência, o que faz com que seja necessário formá-los minimamente nessa área, em especial para desenvolver uma visão de educação mais rica e pensar os fundamentos das ideias científicas e seus impactos na sociedade”, conclui Gurgel.

Educomunicação

Mural digital  Foto: Divulgação NCE
Mural digital
Foto: Divulgação NCE

Esta é a terceira edição em que o Núcleo de Comunicação e Educação (NCE) e a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP atuaram diretamente na oferta de aperfeiçoamento a educadores no USP-Escola, com o curso Educação Midiática e Praticas Educomunicativas. A novidade deste ano foi a participação direta de alunos do curso de Licenciatura em Educomunicação no projeto, com a promoção de atividades sobre o uso de ferramentas do Google Drive para o trabalho do educador e para o processo educativo.

Um total de 25 participantes concluiu o curso. O grupo utilizou um mural digital, a partir do software gratuito Padlet para reunir posts sobre suas produções, com links para planos de sequencia didática; blog, fanzines e HQs produzidos pelos próprios professores.
(Com informações do NCE)

MEC convida ao debate

O diretor de Currículos e Educação Integral do Ministério da Educação (MEC), Ítalo Dutra, conclamou todos os professores e a sociedade em geral a participar das discussões da Base Nacional Comum (BNC), prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 e nunca implementada. O documento, em fase de elaboração, irá regular os referenciais nacionais para os currículos escolares. As premissas estarão abertas a discussão pública no Portal da BNC, que deverá ser lançado nas próximas semanas pelo MEC, segundo Dutra.

“O documento será uma referência para um conjunto de conhecimentos que todo cidadão deve ter, tendo como objetivo geral a formação humana integral, o exercício da cidadania e a formação para o trabalho, conforme prevê a Constituição. Os conteúdos deverão ser definidos a partir do ponto de vista da diversidade das escolas, com a participação da comunidade”, disse Dutra ao Jornal da USP.

Segundo o diretor, a divisão em áreas do conhecimento não irá transformar componentes curriculares em áreas. Ou seja, a divisão em ciências humanas, ciências da natureza, matemática e linguagens não irá suprimir as disciplinas específicas.

Para o debate na palestra de Dutra, houve uma discussão prévia via Facebook, com perguntas enviadas pelos professores ao diretor de Currículos do MEC. “Decidimos ter as informações sobre a Base Nacional Comum diretamente da fonte onde a proposta está sendo elaborada. Nos anos anteriores, já trouxemos outros especialistas para falar sobre o tema. Há uma preocupação generalizada sobre modificações na estrutura curricular, se o ensino por disciplinas será transformado num ensino por áreas, entre outras questões”, disse a coordenadora do Encontro USP-Escola, professora Vera Bohomoletz Henriques, do Instituto de Física.

Sylvia Miguel / Jornal da USP

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