Compra compulsiva é problema de saúde – e tem tratamento

Serviço do Instituto de Psiquiatria oferece ajuda para portadores do transtorno de compra compulsiva – a oniomania.

Serviço do Instituto de Psiquiatria oferece ajuda para portadores do transtorno de compra compulsiva – a oniomania

Preocupação excessiva, perda de controle sobre o ato de comprar; aumento progressivo do volume de compras; tentativas frustradas de reduzir ou controlar as compras; comprar para lidar com angústias ou outra emoção negativa; mentiras para encobrir o descontrole com compras; prejuízos nos âmbitos social, profissional e familiar; problemas financeiros causados por compras. Essas são as principais características de indivíduos que apresentam o transtorno de compra compulsiva – a chamada oniomania, palavra derivada dos termos gregos oné (a compra, a aquisição) e manía (a insânia, a fúria).

Para ajudar os portadores desse transtorno, o Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) criou em 2004 o Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Pró-Amiti), um serviço que trata, além de oniomania, outros tipos de transtornos, como o transtorno afetivo bipolar, o transtorno obsessivo compulsivo, amor e ciúme patológico, dependência de internet e cleptomania.

Segundo a psicóloga Tatiana Filomensky, coordenadora do Programa para Compradores Compulsivos do Pró-Amiti, estima-se que os pacientes que apresentam esse comportamento representem 5% da população geral, sendo que ele é identificado com maior frequência nas mulheres. “Uma taxa bastante significativa”, ressalta a Tatiana.

Foto: Marcos Santos  / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

O que leva uma pessoa a comprar compulsivamente, destaca a psicóloga, é que, muitas vezes, o ato de comprar serve como remédio para a angústia e a depressão. O ato de comprar desperta nas pessoas uma sensação de bem-estar, prazer e satisfação. No comprador compulsivo, esse sentimento não é diferente. “O problema é que, para ele, isso é muito mais. Ele vai em busca dessa satisfação com uma frequência muito maior, porque não consegue atingir essa satisfação de outra maneira. A solução para as sensações desagradáveis, negativas e frustrações está nas compras. Muitos dizem que compram para preencher um vazio.”

A compra compulsiva foi considerada uma doença apenas recentemente, na década de 1980. Não existem estudos que comprovem as causas dessa doença, mas há algumas possibilidades. Uma delas está relacionada com a história comportamental da família do indivíduo. “É muito comum encontrar, na família dos compradores compulsivos, pessoas com problemas relacionados ao controle dos impulsos, como jogo, bebida e sexo”, diz a psicóloga.

Tatiana Filomensky, do IPq: ajuda para os compradores compulsivos  Foto: João Miguel Neves Filho
Tatiana Filomensky, do IPq: ajuda para os compradores compulsivos
Foto: João Miguel Neves Filho

Outro fator está ligado à genética. Pesquisas sugerem que pessoas que apresentam alterações numa enzima chamada mao-a apresentam um elevado sistema de gratificação e recompensa. São pessoas sempre em busca de uma sensação de gratificação mais intensa e que nunca vem. São viciadas no sistema de gratificação causado pelas compras. Com relação à questão subjetiva, são indivíduos mais frágeis emocionalmente, que buscam no exterior a si – ou seja, no consumo, na vestimenta e na maneira de se apresentar ao outro – forças ou elementos que mostrem e valorizem suas características. “São pessoas que acabam sendo mais suscetíveis aos estímulos de comprar em busca dessa aquisição excessiva, como forma de mostrar as suas características individuais, valorizando o seu eu.”

No que se refere à questão social, Tatiana afirma que vivemos numa sociedade que supervaloriza o uso do cartão de crédito. “Temos uma cultura de uso do cartão de crédito cada vez mais difundida, principalmente em países em desenvolvimento, assim como o estímulo desenfreado ao consumo. Toda a nossa vida é pautada em cima do consumo.”

 

Tratamento

O comportamento repetitivo e crônico de gastar descontroladamente gera consequências negativas para o indivíduo, além dos elevados índices de comorbidade (doenças relacionadas), como transtorno de humor e ansiedade. Tatiana lembra que, para tratar esse transtorno, o Pró-Amiti tem uma frente médica que faz avaliação psiquiátrica para diagnosticar as questões relacionadas aos problemas. “Muitas vezes as pessoas estão muito deprimidas e ansiosas e necessitam de medicação para auxiliar no processo de tratamento”, afirma a psicóloga.

Paralelamente, há ainda o tratamento psicoterápico, realizado em grupo. São 20 sessões, uma vez por semana, durante uma hora e meia. Dois psicólogos fazem o acompanhamento durante todo o período em que o paciente se encontra em tratamento, buscando ajudá-lo a entender o que acontece com ele, por que compra demasiadamente, quais os “gatilhos” que o levam a esse descontrole e o porquê desse comportamento compulsivo. Trabalham-se também as questões financeiras, uma vez que a maioria dos pacientes já se encontra com um montante considerável de dívidas.

Foto: Arthur Hirschfeld Danila
Foto: Arthur Hirschfeld Danila

A psicóloga faz questão de ressaltar que o Programa para Compradores Compulsivos do Pró-Amiti não é um programa de educação financeira, e sim uma iniciativa que atende pessoas com problemas de ordem emocional que atingem as finanças. “Cabe ao ambulatório tratar não só as questões emocionais como também a financeira. Por isso temos ajuda de economistas que auxiliam no planejamento do orçamento doméstico e tiram dúvidas sobre como tratar as dívidas adquiridas”, explica.

Para dar início ao tratamento, é preciso entrar em contato com o Pro-Amiti, fazer inscrição, passar por uma triagem e se submeter a uma avaliação, a fim de se detectar se realmente a pessoa é portadora do distúrbio. Se o diagnóstico for confirmado, ela passa por avaliação médica. Segundo Tatiana, a doença não tem cura, mas consegue-se controlá-la. Os resultados do ambulatório são positivos, afirma. “As pessoas que passaram pelo tratamento e tiveram alta dizem que melhoraram muito e que mudaram o seu comportamento.”

O importante, para a psicóloga, é tentar “ressignificar” o comportamento compulsivo, mostrar outras formas de a pessoa obter recompensas e sentir-se amada que não seja pelo viés do consumo compulsivo. Tatiana explica que não dá para simplesmente dizer para a pessoa não comprar nunca mais. “Temos que ensiná-la a entender quando é uma compra compulsiva e quando é normal.”

Mais informações sobre o Programa para Compradores Compulsivos do IPq podem ser obtidas pelo telefone (11) 2661-7805 e na página eletrônica do programa.

Izabel Leão / Jornal da USP

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