Teto salarial do funcionalismo público estadual em discussão

O teto salarial é um dos temas que, nos últimos meses, têm despertado o debate entre professores das universidades estaduais paulistas, seja através da imprensa, seja em discussões da academia.

A imposição de limites aos salários do funcionalismo estadual leva à fuga de talentos das universidades e à inevitável queda na qualidade do ensino superior público, alertam reitores da USP, Unicamp e Unesp.

O teto salarial do funcionalismo público estadual é um dos temas que, nos últimos meses, têm despertado o debate entre professores das universidades estaduais paulistas, seja através da imprensa, seja em reuniões nos departamentos e fóruns de discussão da academia.

Num artigo publicado em agosto passado no jornal Folha de S. Paulo, o reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jorge Tadeu Jorge, alertou para o fato de que a excelência das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) – situadas entre as melhores instituições de ensino superior da América Latina – está ameaçada. Isso porque a Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, permitiu “tetos salariais distintos para atividades iguais”, como ele escreve.

A emenda determina que cada Estado da Federação pode fixar seu subteto. Com base nessa lei, das 27 unidades federativas do País, 14 fixaram o teto de remuneração de acordo com o subsídio mensal dos desembargadores dos seus respectivos Tribunais de Justiça, seis limitaram os salários aos vencimentos dos ministros do STF – que hoje batem em R$ 33.763,00 – e sete, incluindo São Paulo, fizeram a opção de atrelar o teto salarial aos subsídios dos seus governadores.

Em São Paulo, o salário do governador está fixado em R$ 21.613,05. De acordo com a lei, nenhum servidor estadual pode ganhar mais do que esse valor. Já as universidades federais, regidas pelas normas do funcionalismo federal, têm como teto o salário de ministro do STF, superior ao teto estadual paulista em mais de R$ 12 mil. E essa distância pode aumentar ainda mais: no dia 7 passado, a Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados aprovou reajuste de 16% nos salários dos ministros do STF, que passariam dos atuais R$ 33.763,00 para R$ 39.293,00. “A evidência é estarrecedora”, escreve Tadeu Jorge. “Ser professor de uma universidade do sistema federal permite ganhar, por mês, cerca de R$ 12 mil a mais do que o mesmo professor em uma universidade estadual paulista.”

Prejuízos

Assim como José Tadeu Jorge, o reitor da USP, Marco Antonio Zago, também vê com apreensão os prejuízos que o teto salarial pode causar ao ensino superior público paulista. Para Zago – que atualmente ocupa a presidência do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) –, a preocupação maior não é com a perda de professores da USP, mas sim com a não vinda para a Universidade de novos talentos, atraídos pelas universidades federais. “Com isso, o risco é perder talentos que acabam não vindo para a Universidade: os jovens docentes planejam sua vida e, ao ver que nas universidades federais há melhores perspectivas salariais, eles vão para lá.”

De acordo com o reitor, a eventual elevação do teto salarial para os docentes do ensino superior paulista não traria nenhum encargo a mais para o governo do Estado e não representaria impacto relevante para o orçamento da USP. “A parcela gasta com o que excede o teto corresponderia a menos de 1% do orçamento da Universidade”, revela Zago.

Ele destaca ainda que os docentes que alcançam salários superiores aos vencimentos do governador obtiveram esse direito após desenvolver uma carreira de décadas a serviço do ensino e da pesquisa. “Esses docentes que veem seus vencimentos limitados se sentem desiludidos”, diz o reitor. “É por tudo isso que estamos tentando viabilizar, junto ao Executivo e ao Legislativo paulistas, a mudança do teto salarial.”

Injustiça

Já o reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Julio Cezar Durigan, num artigo publicado em agosto no jornal O Estado de S. Paulo, criticou a injustiça contra o corte dos salários de 912 professores, que estavam acima do teto salarial estadual. “Os prejudicados são professores universitários que, com muito trabalho e abnegação, galgaram na sua carreira os mais altos níveis”, escreve Durigan. “Defenderam quatro teses (mestrado, doutorado, livre-docência e titular), orientaram dezenas de alunos na graduação e na pós-graduação e desenvolveram pesquisas importantes para o País. O reconhecimento a esse trabalho honesto de uma vida é o corte dos salários no meio das suas existências.”

No artigo, Durigan lembra que mais da metade dos salários dos professores prejudicados é composta por quinquênios e sexta-parte, atribuídos por lei. “Os professores universitários nunca tiveram influência sobre o que poderiam vir a ganhar, ao contrário do que acontece atualmente em algumas esferas administrativas.”

Repercussão

Professores criticam limites salariais

Para José Arthur Giannotti, salários acima do teto decorrem de direitos e benefícios ligados à progressão da carreira, que são garantidos por lei e não podem ser desconsiderados

O professor José Arthur Giannotti, docente aposentado do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, também lamenta os limites impostos ao salário dos professores das universidades públicas paulistas. Ele destaca que não se pode desconsiderar os direitos e benefícios que estão ligados à progressão da carreira de docente e que, ao longo de décadas de serviço, fazem os salários superarem o teto. “O teto estabelecido pelo decreto do governo paulista levou ao congelamento dos salários dos servidores públicos estaduais, não levando em consideração a estrutura de carreira e as vantagens pessoais previstas em lei, como quinquênio e sexta-parte, adquiridas ao longo dos anos de dedicação”, destaca Giannotti.

“A adoção de um critério meramente burocrático criou enorme confusão na determinação dos salários dos professores universitários”, resume Giannotti. “Hoje, nas universidades do Estado de São Paulo, em virtude dos reajustes anuais, a simples aplicação dos direitos aos quinquênios, sexta-parte, gratificações do reitor ou diretor ou chefe de departamento já faz com que os vencimentos dos docentes ultrapassem o teto do governador.”

E a explicação para isso é simples, acrescenta Giannotti: “A remuneração do governador só é reajustada a cada nova legislatura, de quatro em quatro anos e, dessa forma, mesmo que se apliquem aos funcionários reajustes apenas pela inflação, o teto é ultrapassado.”

Num artigo publicado em julho passado, também na Folha de S. Paulo, o professor Oswaldo Baffa Filho, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFLCH) da USP, acrescenta que o salário do governador remunera um cargo eletivo, de ocupação efêmera. “Por isso, não pode servir de referência para enquadrar o salário de uma carreira que é estabelecida por lei, que exige décadas de formação e de trabalho e cuja remuneração é a única fonte de renda da maioria dos professores, que trabalha em regime de dedicação integral à docência e à pesquisa”, escreve Baffa, que assina o artigo com Marcelo Ridenti e Marcos Del Roio, respectivamente docentes da Unicamp e da Unesp.

“Se quisermos preservar a qualidade tão duramente conquistada de nosso ensino superior paulista, é urgente que se aprove uma emenda constitucional colocando o funcionalismo público de São Paulo em situação similar à do funcionalismo público de outros Estados brasileiros”, continua Baffa no artigo. “Nestes, as Assembleias Legislativas já estabeleceram um subteto único para o funcionalismo estadual, tomando como referência o referido limite do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal.”

Para Baffa, se a proposta é discutir as imensas desigualdades de remuneração na sociedade brasileira, isso deve ser feito seriamente. “É injusto tomar como bodes expiatórios os professores das universidades estaduais paulistas, que constituem o exemplo de maior sucesso na educação e produção científica brasileira.”
Na mesma linha de pensamento de Baffa, o professor Ciro Teixeira Correia, diretor da Associação dos Docentes da USP (Adusp), lembra que os cargos de governador e prefeito são ocupados por um mandato com tempo definido e os valores pagos não são “salários”, e sim subsídios e verbas de representação por exercício de função. “O subsídio do governador não é um salário, e pode ser reduzido nominalmente, não respondendo pelas necessidades de manutenção do governador, que dispõe das mordomias do cargo”.

“As três universidades estaduais paulistas são reconhecidas e conceituadas, mas vivem hoje essa situação esdrúxula de ter um teto salarial significativamente menor do que os dos seus colegas das universidades federais”, diz Correia. “É fundamental uma mobilização da administração das universidades, para sensibilizar a Assembleia Legislativa do Estado a tomar providências.”

O professor Adalberto Americo Fischmann, presidente da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) da USP e diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), reconhece que há uma disparidade entre os salários dos docentes paulistas e os dos seus colegas das universidades federais, “mas está fora do alcance da COP, que não entra nesse nível de discussão”.

Ele reconhece também que o subsídio do governador é “pequeno” e está congelado há vários anos, sem que haja interesse do governo em aumentar esse subsídio. No entanto, Fischmann destaca que o atual teto salarial dos servidores públicos estaduais foi estabelecido por normas legais. “É uma questão de regra e não de justiça”, diz o professor. “Se ele aumentar esse valor ou liberá-lo para outros níveis, vai criar dificuldades nas contas dos organismos do Estado.”

O ministro aposentado do STF Eros Grau já emitiu parecer jurídico, alegando que a disparidade de valores entre os tetos salariais fere a Constituição, e cita a regra da isonomia e do caráter nacional da educação superior, explicitada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Cinderela Caldeira e Roberto C. G. Castro / Jornal da USP

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