Pouco tempo atrás, assisti à versão mais recente de Nada de Novo no Front no Netflix, o remake de um famoso filme de 1930 que me trouxe boas lembranças da vida universitária na USP. Como aluno da graduação, ouvi um fascinante relato sobre a contribuição da obra, ainda que indiretamente, para um dos maiores feitos alcançados no meio artístico do País. Antes de contar o por quê, permitam-me uma pequena digressão.
Embora tenha estudado na Poli, algumas das minhas melhores memórias foram feitas fora da Engenharia. A universidade é como um solo fértil onde os alunos são as sementes. Por mais promissoras que sejam, para que germinem é necessário prover mais do que água e luz. E sem adubo e fertilizante podem até vingar, mas talvez não se tornem árvores frondosas. É nesse contexto que vejo a contribuição da cultura e extensão, complemento essencial ao ensino e à pesquisa.
Tive o prazer de servir como representante discente no Conselho de Cultura e Extensão Universitária, o CoCEx, e contribuir tanto com a Atlética quanto com o Grêmio Politécnico, experiências extracurriculares tão importantes quanto a educação de excelência que recebi nas salas de aula e laboratórios. Uma das mais marcantes foi a Semana de Arte da Poli, mais conhecida como SAPO.
A SAPO era especial porque nos permitia ter contato com grandes expoentes da cultura brasileira num contexto em que a transdisciplinaridade ainda era vista com ceticismo na academia. Apresentações com músicos do calibre de Hermeto Pascoal e Paulinho Nogueira, discussões sobre tecnologia e inovação, exposições, ateliês e palestras com artistas renomados foram alguns dos eventos inesquecíveis dos quais participei em meados da década de 90. Foi nesse período que comecei a explorar interesses além do meu foco de estudo, entrar em contato com pessoas de diferentes áreas do conhecimento e contribuir com a comunidade, o que continuo fazendo até hoje profissionalmente no meu trabalho com inovação e empreendedorismo.
Mas voltemos ao Nada de Novo no Front, ganhador de Oscar de melhor filme e que tem a Primeira Guerra como tema. Numa das sessões da SAPO, assisti a uma palestra com Anselmo Duarte, ator, roteirista e diretor de cinema responsável por O Pagador de Promessas. Agraciado com a Palma de Ouro em Cannes em 1962, até hoje o filme permanece como a única obra nacional a ter conquistado o prêmio. Durante a conversa, Duarte falou sobre a grande influência que a versão de 1930 tinha exercido na sua decisão de seguir carreira artística. Ele lembrou que o havia assistido inúmeras vezes e sempre ficava até o final das sessões para ler os créditos, guardando o nome dos protagonistas como se lê em português. O diretor era Lewis Milestone, mas que para ele seria sempre “Le-vis Mi-les-tone”.
Por coincidência, Lewis Milestone também estava em Cannes participando da cerimônia. Quando foram apresentados um ao outro, Anselmo Duarte não o reconheceu de imediato pela forma anglicizada como o nome havia sido pronunciado, até ouvir sobre Nada de Novo no Front e a ficha cair. Naquele momento, ele o interrompeu bruscamente, exclamando “LE-VIS MI-LES-TONE!” Ao que o consagrado diretor respondeu com um largo sorriso, dizendo “muito obrigado, há tempos ninguém diz o meu nome corretamente”. Apesar da cidadania americana, Milestone nasceu na Rússia como Leib Milestein, cujo nome na língua original soa parecido com a versão de Anselmo Duarte.