Uma Universidade que emociona

Ísida de Campos Souza, doutora pelo Instituto de Biociências (IB) da USP

 

A minha história com a USP começa quando eu ainda criança, ouvia com atenção meu pai contar, com muito orgulho, como a USP foi criada e a importância que ela teve na época da vergonhosa ditadura militar no Brasil.

Desde muito pequenina fui desenvolvendo o sonho de estudar Medicina Veterinária lá e fui crescendo com a certeza de que isso iria acontecer na época certa.

Chegado o tempo dos temidos vestibulares, já Fuvest, tentei me preparar o máximo para o desafio que me esperava.

Infelizmente, não deu na primeira vez, mas não fiquei tão chateada, pois achei que minha formação básica estava insuficiente e reuni todas minhas forças para enfrentar novo ano de cursinho e novamente a tão temida Fuvest.

Foram horas e horas de estudo diário e novamente estava eu lá diante do grande desafio.

Novamente não deu. Recebi a notícia que abriu em mim um rasgo no meu coração. Abracei meu pai, que era meu grande incentivador, e chorei muito.

Bem, bola pra frente! Não queria e não aceitaria ficar sem um curso superior, de modo que resolvi fazer o vestibular numa instituição particular, para Biomedicina, porque vi na descrição do curso, que o profissional podia lecionar para os cursos de Medicina e Medicina Veterinária.

Me formei em Biomedicina e resolvi que, embora não tivesse feito o curso do meu sonho, eu deveria ser uma boa profissional.

Fazendo estágio no laboratório de equinos do Jockey Club de São Paulo, tive a sorte de fazer amizade com uma veterinária que enxergou em mim uma pessoa que gostava muito de estudar e me orientou como buscar o caminho da pós-graduação.

Fiz meu mestrado no Instituto de Energia Nuclear (IPEN) associado e localizado na USP, na área de Radiobiologia, e meu doutorado no Instituto de Biociências (IB) da USP na área de Genética Humana.

Por razões diversas, acabei trabalhando em laboratórios privados, mas não me conformei com essa situação, de modo que, após a defesa do doutorado, comecei trabalhar na unidade de aconselhamento genético, duas manhãs na semana, por quinze longos anos. Inicialmente, realizei alguns trabalhos de pesquisa e posteriormente trabalhei no atendimento dos pacientes e coleta de sangue.

Minha história com a Universidade não parou aí. Durante os anos que auxiliei lá, abriu uma vaga para especialista em laboratório e eu prontamente me inscrevi. Descobri que a vaga era destinada somente a biólogos e eu sou biomédica, mas eu tinha todos os pré-requisitos que a vaga exigia. Fui no conselho da minha profissão que entrou com uma ação contra a Universidade e o concurso foi cancelado e reeditado abrindo para todos os profissionais da área de saúde com no mínimo, cinco anos de experiência naquela área.

Lá estava eu, sentada num banco daquela Universidade, prestando o concurso e sonhando com a possibilidade de trabalhar lá.

Passei na primeira fase e me dediquei de corpo e alma para esse objetivo. Por um mês, abri mão de tudo, família, crianças, casa, diversão. Estudei como louca.

Terminada a prova, tive a sensação de objetivo cumprido. Caiu tudo o que eu havia estudado e que eu fazia rotineiramente no meu trabalho. Foram mais de quinze dias de espera pelo resultado. Os professores que eu conhecia me diziam que eu tinha ido bem. Estava muito ansiosa!

Chegou o grande dia do resultado e era necessário ir ver presencialmente. Fui rezando de casa à Universidade, meu coração parecia que ia sair pela boca.

Parei diante da lista, duas candidatas aprovadas. Candidata X, que por motivos éticos não vou revelar aqui com a nota 9,3 e eu com nota 9,2.

Quando compreendi o que isso significava, saí do departamento totalmente sem rumo. As lágrimas inundavam meu rosto e fui para casa de meu pai. Minha mãe havia falecido no ano passado. Chegando lá vi a cena do vestibular se repetir novamente, eu abraçada no meu pai chorando copiosamente como uma criança.

Voltando ao meu trabalho voluntário na Universidade, descobri que a candidata X tinha uma boa formação acadêmica, mas não tinha a qualificação que a vaga exigia. Fiquei muito revoltada, mas não pude fazer nada. Por muito tempo, tive que trabalhar meu psicológico para lidar com essa injustiça.

Dezessete anos se passaram. Hoje, estou aposentada, mas continuo meu trabalho em um laboratório privado.

Quando tenho oportunidade, vou à Universidade. Ao passar pelo portão principal, sinto como se fosse algo mágico: Universidade de São Paulo – campus da Capital. Sempre me emociono.

Finalizo aqui minha história com a USP com lágrimas nos olhos porque, embora eu seja filha dessa Universidade, meus sonhos de estudar Medicina Veterinária ou ser pesquisadora não aconteceram.

Tudo bem, bola pra frente!!

Como filha dessa Universidade tenho sempre comigo a frase de Mário Sérgio Cortella de fazer o meu melhor nas condições que eu tenho enquanto eu não tenho condições melhores de fazer melhor ainda.

Viva a Universidade de São Paulo!! Parabéns por seus 90 anos!

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