Para a professora Carla Columbano de Oliveira, do Instituto de Química (IQ) da USP, não existe uma diferença clara entre o que é pesquisa básica e o que é pesquisa aplicada. Se um cientista não souber o que acontece na célula, argumenta ela, não há maneira de aplicar. E prossegue: “é uma questão de tempo. Se eu não sei o que a proteína faz, como eu vou desenvolver um medicamento?”.
É justamente a produção de proteínas dentro da célula a área de pesquisa do espaço que a docente fundou e coordena, o Laboratório de Controle Pós-Transcricional e Expressão Gênica. Lá, entre outros trabalhos, são desenvolvidas pesquisas “básicas”, mas que são fundamentais para o entendimento de doenças genéticas, tornando possível a aplicação de conhecimentos em sua prevenção e tratamento.
Ribossomo
Carla e seus orientandos estudam os fatores que atuam na formação do ribossomo, estrutura celular responsável pela síntese de proteínas e enzimas. Ela explica que, se o ribossomo não for formado da maneira correta, as proteínas não serão produzidas na célula. Muitas das doenças genéticas humanas são causadas justamente porque naquela célula não é produzida uma proteína que iria atuar na formação do ribossomo.
Para se fazer entender, a professora recorreu a uma proteína da qual a maioria das pessoas já ouviu falar, a insulina.
“A insulina é um hormônio e é uma proteína. Quando a pessoa fica um período em jejum, não precisa produzi-la, já que não há glicose no sangue. A partir do momento em que ela come, o nível de glicose no sangue aumenta, e então é preciso fazer com que a glicose entre nas células. Desse modo, o organismo produz insulina. Mas para isso, o gene da insulina tem que ser expresso. Isso é a expressão gênica, ou seja, todas as células têm o DNA que possui o código genético e, a partir do DNA, o RNA é transcrito. Esse RNA, depois, é traduzido em proteína – no caso, a insulina. Cada órgão, por sua vez, produz proteínas diferentes, em momentos diferentes e em resposta a estímulos diferentes. É isso o que estudamos: como a maquinaria da célula responsável pela produção de proteínas funciona”, sintetiza.
Levedura
Para compreender essa maquinaria, o grupo utiliza em suas pesquisas a levedura Saccharomyces cerevisiae, por ser um organismo de estrutura simples, mais fácil de estudar. Como resultado, já foram descobertas as funções de diversas proteínas. “Isolamos o gene de uma proteína que não tem função conhecida, mutamos o gene na levedura e descobrimos o papel dela na formação do ribossomo. Em seguida, comparamos a sequência da proteína com a sequência da proteína humana e descobrimos se aquele mesmo gene está presente em humanos”, detalha a pesquisadora sobre o método utilizado. “Por fim, clonamos o gene de humanos, colocamos na levedura e verificamos se ele funciona”, completa.
Um dos projetos em andamento envolve o splicing, que é o processo através do qual um pré-RNA mensageiro na célula perde algumas sequências que o constituem quando é sintetizado. Assim, ele se torna um RNA maduro, que vai ser traduzido pelo ribossomo de modo incorreto. O estudo, então, dá conta da proteína envolvida nesse processo, que nunca havia sido estudada anteriormente. Após o isolamento da proteína em levedura, sua função foi caracterizada – e foi confirmado o envolvimento no splicing. Depois disso, um grupo na Alemanha descobriu que essa proteína também está presente em humanos.
Uma grande dificuldade encontrada pela pesquisadora é o isolamento científico, dado que pouquíssimos são os grupos que estudam expressão gênica no Brasil. Por fim, Carla anuncia a existência de vagas no laboratório para alunos de pós-graduação: “Se tiver alguém estiver interessado em fazer pesquisa genética de nível internacional… Estamos aqui!”, comenta, entre sorrisos.