É preciso olhar para cerca de 7 milhões de anos atrás para encontrar indícios do início da linhagem que daria origem à nossa espécie. A tentativa de reconstruir a longa jornada destes ancestrais até hoje depende, em grande parte, da análise de fósseis encontrados em vários lugares do mundo e que dão as pistas para organizar o mapa das relações de parentesco entre as espécies.
Algumas das peças que compõem esse gigantesco quebra-cabeça agora estão disponíveis ao público no Museu Virtual da Evolução Humana, que reúne reproduções digitais da coleção Thomas Van Der Laan – o acervo de réplicas de peças arqueológicas pertence ao Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos (LEEH) do Instituto de Biociências (IB) da USP e é o maior do gênero em toda a América Latina. Integram a coleção mais de 70 peças, entre elas a única réplica de um fóssil de cerca de 1,8 milhões de anos encontrado em Dmanisi, na República da Geórgia, e que é um dos primeiros representantes do gênero Homo.
“Há uma demanda muito grande por esse tipo de material, por uma exposição sobre evolução humana, principalmente de professores do ensino fundamental e médio, que sempre nos procuram”, conta o professor Walter Neves, curador do Museu Virtual, além de fundador e coordenador do LEEH. “Sempre foi um grande sonho socializar este acervo com um público mais amplo”, afirma, lamentando, no entanto, que não haja até hoje um museu físico sobre evolução na Universidade.
Antropólogo e arqueólogo, Neves é considerado o “pai” de Luzia, crânio encontrado na região de Lagoa Santa, em Minas Gerais, em meados dos anos 1970. Mesmo não sendo o autor da descoberta, foi ele quem deu nome ao esqueleto e foi responsável por seu estudo, que reacendeu as discussões sobre o povoamento das Américas.
Museu em evolução
As imagens que compõem o Museu Virtual estão em boa resolução e podem ser baixadas livremente. Elas são acompanhadas de informações sobre a origem de cada fóssil e a espécie ao qual pertence. Além disso, o site traz uma sinopse sobre a evolução humana que pode ser utilizada junto aos alunos, e um glossário que explica termos frequentes, como Monos, Homo e Australopitecíneos, que são as categorias que organizam o acervo de imagens do Museu. A produção dos textos e fotografias e a montagem do site contou com a colaboração de alunos do IB e de outras unidades, e foi financiado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP.
Sempre foi um grande sonho socializar este acervo
com um público mais amplo
Segundo o curador do Museu, a ideia é que além das réplicas de crânios hoje disponíveis no site, sejam incorporadas também peças do Laboratório que contam a evolução cultural do homem, como ferramentas e utensílios. Além disso, a equipe ambiciona produzir imagens em três dimensões, o que além de proporcionar uma interação maior e mais realista, tornaria possível a produção de réplicas a partir de impressoras 3D.
Ciência à disposição
Walter Neves conta que o Laboratório tem uma “produção frenética” na área de divulgação científica, que envolve além de projetos como o Museu Virtual, exposições museográficas, textos para revistas da área e livros voltados ao público não especialista. Foi uma parceria do LEEH que tornou possível a exposição “Do Macaco ao Homem” no Museu Catavento Cultural e Educacional, inaugurada em 2014.
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Junto a outros dois pesquisadores do LEEH, Walter Neves organizou o livro Assim Caminhou a Humanidade… (Palas Athena, 2015), lançado em maio deste ano. Resultado de um curso de pós-graduação, este é o primeiro livro de evolução humana escrito exclusivamente por brasileiros. Para o próximo ano, o professor adianta que já está trabalhando, junto a um pós-doutorando do grupo, em uma versão infanto-juvenil da obra. “Aqui nós levamos a questão da extensão e da divulgação científica com o mesmo nível de seriedade com que levamos a pesquisa e a docência”, afirma.
Para o professor, é preciso colocar à disposição do público os conhecimentos que a ciência gerou sobre evolução, especialmente em um contexto de avanço do criacionismo. “Não acho que tenhamos que ficar em num embate entre ciência e religião, que são coisas muito diferentes, mas temos a responsabilidade de mostrar o que a ciência tem para oferecer. Não podemos nos omitir”, sustenta.