Inovação na química a serviço da saúde e da energia

Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) em Catálise e Síntese Química da USP é um dos grupos de cientistas que se dedicam a transformar a ciência em benefícios concretos para a sociedade.

Paulo Hebmüller / Jornal da USP

Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP
Foto: Francisco Emolo / Jornal da USP

Uma substância derivada do selênio e da glicose capaz de inibir em 60% o crescimento do câncer de pulmão e de mama. Catalisadores responsáveis pela redução do consumo de energia. Identificação de proteínas que servem como biomarcadores de mieloma – um tipo de câncer da medula óssea –, permitindo diagnósticos mais rápidos e eficazes. Esses são alguns dos resultados já obtidos pelo Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) em Catálise e Síntese Química da USP, um dos vários grupos de cientistas da Universidade que se dedicam a transformar a ciência em benefícios concretos para a sociedade

O desenvolvimento de produtos para diagnóstico e tratamento de alguns tipos de câncer e de doenças como leishmaniose é uma das perspectivas mais concretas que se abrem no trabalho dos grupos envolvidos no Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) em Catálise e Síntese Química, encabeçado pelo professor Alcindo Aparecido dos Santos, docente do Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química (IQ) da USP. A proposta de formação do núcleo foi uma das selecionadas no edital para financiamento dos NAPs em 2012, dentro do Programa de Incentivo à Pesquisa da USP. Totalmente bancado com recursos próprios, o programa representa o maior investimento feito por uma universidade brasileira para fomentar a pesquisa.

As duas principais vertentes do trabalho no NAP coordenado por Santos são as aplicações de compostos orgânicos em bioquímica para a área da saúde e aquelas ligadas ao desenvolvimento de catalisadores, ou potenciais catalisadores, para determinadas reações na área de materiais. Os catalisadores são substâncias que abaixam a energia de ativação de uma reação química, aumentando a sua velocidade. “As reações de redução e de oxidação são as mais visadas, porque em geral demandam muita energia. Se o catalisador é muito eficiente, conseguimos reduzir bastante o consumo de energia. As condições ficam menos drásticas e as reações, mais suaves”, explica Santos.

Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP

Nessa vertente, trabalhos vêm sendo desenvolvidos sob a liderança da professora Liane Rossi, coordenadora do Laboratório de Nanomateriais e Catálise do IQ. As pesquisas investigam as propriedades de nanopartículas metálicas em busca de catalisadores mais ativos e mais seletivos, empregando as propriedades únicas das nanopartículas magnéticas para facilitar a separação dos materiais após a reação. Os nanocatalisadores produzidos pela equipe foram feitos a partir de materiais como ouro, paládio, platina e outros.

Um dos mercados mais promissores, mais rentáveis e proporcionalmente mais caros da área da química é o farmacêutico, ressalta o professor Alcindo dos Santos, e é por essa razão que as substâncias com aplicação biológica sempre vão ganhar destaque. Alguns trabalhos surgidos em cooperações do NAP caminham nessa direção. Um deles foi o desenvolvimento de um derivado orgânico de selênio e glicose inicialmente para finalidades nutricionais – suplementação alimentar animal –, em parceria com a empresa Biorigin. O composto também apresentou ação anticâncer, comprovada por estudos in vivo realizados num laboratório dos Estados Unidos sem nenhuma vinculação com o NAP.

Em relação a câncer de pulmão e de mama, o composto apresentou atividade superior a 60% no que diz respeito à inibição do crescimento. Parte da síntese foi feita no grupo do professor Santos, enquanto parte da atividade biológica foi desenvolvida pelo grupo do professor Antonio Ferreira Pereira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Terapia

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação
Professor Carlos Lodeiro

Outra cooperação envolve participação do grupo do professor Carlos Lodeiro, da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal. No ano passado, Lodeiro esteve num encontro do NAP no IQ e conheceu os docentes da USP, iniciando colaboração na área de nanotecnologias com pesquisa dirigida para aplicações em proteômica e biomedicina. O trabalho busca identificar novos sensores químicos fluorescentes e em nanomateriais utilizados para a marcação seletiva de células em tumores de câncer.

“Nosso trabalho em comum centrou-se na descoberta de novos mecanismos de obtenção de nanopartículas metálicas mais estáveis, biocompatíveis, com utilidade no âmbito da biomedicina”, explica Lodeiro. “Como resultado mais interessante, e aplicando métodos de proteômica avançada, do qual o nosso grupo em Lisboa é pioneiro e um dos mais produtivos de Portugal, descobrimos duas potenciais proteínas alvo de ser biomarcadores de mieloma, permitindo um diagnóstico mais rápido e eficaz.”

A partir desse resultado, os pesquisadores iniciaram os estudos sobre a aplicação de sistemas marcadores de fluorescência e pré-concentradores em outros tipos de células cancerosas – como de próstata, de mama e, mais recentemente, de glioblastoma, forma de tumor que ocorre no cérebro. Outra parceria envolvida nesse projeto é com a equipe do doutor Lionel Gamarra, do grupo de Nanobiotecnologia do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O trabalho visa a desenvolver uma sonda com direcionamento específico para alvejamento e diagnóstico por imagem, por ressonância magnética, e a terapia sobre os tumores de glioblastoma utilizando a técnica de magneto-hipertermia.

Até o momento, vem sendo realizada a parte pré-clínica, com estudos em nível celular, indução de tumores de glioblastoma e seu mapeamento utilizando imagens por ressonância magnética, além do mapeamento em nível celular utilizando a técnica de tomografia por fluorescência das partículas que foram sintetizadas em colaboração com os pesquisadores do IQ e de Portugal. Também está sendo construído um equipamento de magneto-hipertermia, a ser abrigado no Centro de Imagens e Espectroscopia in vivo por Ressonância Magnética (CIERMag) do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. Alguns resultados iniciais dessas pesquisas foram apresentados num congresso internacional realizado no começo de setembro em Portugal.

A colaboração do NAP com o grupo de Lodeiro está gerando outros frutos. O docente da universidade portuguesa passou o último mês de julho trabalhando no IQ com o grupo do professor Alcindo Santos, oportunidade possibilitada com a concessão de bolsa de Pesquisador Visitante Especial (PVE) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também já foi lançado um pedido de patente, em fase de análise, e artigos serão submetidos a publicações científicas. Os recursos do PVE vão permitir que três pesquisadores brasileiros façam doutorado-sanduíche na Universidade Nova de Lisboa no início do ano que vem.

portal20141007_box2

NAP: Inovação

São mais de 120 os Núcleos de Apoio à Pesquisa (NAPs) existentes na USP atualmente. O programa busca selecionar projetos inovadores e interdisciplinares –, característica nem sempre frequente na rotina acadêmica –sempre visando a trazer benefícios para a sociedade.

“A síntese química não é uma área fácil de ser trabalhada, porque não estamos falando de uma certa linha de pesquisa dentro da química, mas de várias linhas. É uma rede, por assim dizer, que envolve química orgânica, inorgânica, físico-química, espectroscopia etc.”, exemplifica o professor Alcindo Aparecido dos Santos, coordenador e um dos formuladores – ao lado do professor João Valdir Comasseto, agora aposentado – do NAP em Catálise e Síntese Química.

“Não é fácil fazer pesquisadores de áreas distintas se entenderem e chegarem a um ponto comum. Se as áreas não são muito correlatas, é bastante difícil. Incentivar as pessoas a fazer pesquisas cooperativas tem sido nosso maior desafio”, aponta Santos. Essa cooperação já permitiu, por exemplo, a pouco frequente integração de um grupo que trabalha com química orgânica clássica com outro que pesquisa síntese de nanopartículas.

Saiba mais:

Tecnologia para combate ao câncer, do laboratório para os hospitais

Scroll to top