Mecânica estatística é ferramenta para pesquisa econômica e social

Evolução social e econômica das sociedades pode ser acessada através de métodos de mecânica estatística e teoria de informação.
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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Atlas etnográficos subsidiaram escolha de dados e comparação posterior

“Nas ciências exatas, em especial na física teórica, quando se tem um problema, o pesquisador o modela teoricamente ou computacionalmente, faz a simulação, os cálculos e, em seguida, compara o resultado obtido aos resultados presentes na natureza”, explica Bruno Del Papa, membro do Center for Natural and Artificial Information Processing Systems (CNAIPS) da USP. Esse método, entretanto, não é muito utilizado nas ciências humanas – e é por isso que um dos objetivos do CNAIPS é expandir o modelo para outras áreas do conhecimento.

Del Papa defendeu recentemente no Instituto de Física (IF) da USP uma dissertação de mestrado que exemplifica bem o tipo de trabalho desenvolvido: “Estudo da Evolução Social e Econômica de Sociedades Humanas Através de Métodos de Mecânica Estatística e Teoria de Informação”.

Dando continuidade aos estudos iniciados pelo seu orientador, o professor Nestor Felipe Caticha Alfonso, do IF, os dois desenvolveram um modelo computacional e teórico para compreender a evolução temporal, tanto social, quanto econômica, de sociedades e, posteriormente, confrontaram os resultados obtidos com os dados já existentes em atlas etnográficos com características de sociedades que existem ou existiram.

Longe de querer explicar sociedades detalhadamente, em seu estudo, Del Papa conta que utilizou simulações de Monte Carlo para representar sociedades e suas características por meio de grafos, expondo variáveis que os estudos mostraram ser relevantes: capacidade cognitiva, número de indivíduos e algum tipo de pressão ecológica, que pode mudar as configurações sociais.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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A princípio interligados, os modelos de evolução social e de evolução econômica são um consequência do outro. Del Papa partiu, então, do modelo de evolução social, proposto pelo seu orientador e outros membros do CNAIPS, refez os passos anteriores e buscou adaptar o sistema ao problema do surgimento do dinheiro em sociedades humanas.

A partir de um modelo teórico, que é um modelo matemático, o pesquisador elabora hipóteses que guiarão o sistema e gerarão resultados. Quando comparados com os dados dos atlas, os resultados dão indicações de quais variáveis são importantes para o entendimento do problema. Nem sempre óbvias, as relações entre variáveis são buscadas nos atlas, com o auxílio de modelos com motivações antropológicas e de teorias econômicas. Quando o modelo obtido concorda com os dados recolhidos dos modelos reais, ainda que aquele seja um modelo geral, que identifica pontos principais e variáveis importantes para o sistema, o pesquisador entende que, qualitativamente, a variável considerada é importante para o problema.

Segundo o modelo proposto, o conhecimento acerca das relações entre os demais indivíduos é tido como um fator importante para a adaptação de um indivíduo a uma sociedade. Em contrapartida, em função da limitação cognitiva, há um “custo” de manutenção dessa informação, gerando uma competição entre as duas variáveis. O mesmo raciocínio é aplicado ao modelo de evolução econômica, em que um maior conhecimento dos produtos sujeitos a troca é vantajoso ao indivíduo, mas que, por sua vez, gera um “custo” de manutenção de conhecimento. A aplicação física é colocada no momento em que se associa o função custo à função energia e se propõe a simulação. “A energia é proporcional ao número de relações que você conhece porque a sua memória é limitada, e proporcional ao custo de você não sabê-las”, explica o estudante.

Diante dos custos, os indivíduos concluem o que seria melhor para sua representação mental. É nesse ponto que se infere a possibilidade de uma sociedade ser ou não hierárquica. Quando os indivíduos concordam, ou seja, possuem a mesma representaçao mental, sobre a existência de alguém central, esta é tida como uma sociedade hierárquica. Quando, porém, não há um indivíduo central e a representação de todos é simétrica, não existe hierarquia. A inserção de variáveis se complexifica quando a condição ambiental está presente. Em ambientes favoráveis, a emergência de sociedades igualitárias ou hierárquicas acontece sem critérios definidos. Mas em ambientes inóspitos, a depender da quantidade de indivíduos, – considerando capacidades cognitivas iguais – as sociedades colapsam em hierárquicas ou igualitárias.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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Para falar do surgimento do dinheiro, Del Papa pesquisou teorias econômicas que, classicamente, definem o surgimento do dinheiro como anterior ao do surgimento da desigualdade social. A disparidade com o modelo utilizado pelo pesquisador surge aí, dado que pelas simulações a desigualdade na rede social facilita a emergência de uma moeda única de troca. Pesquisando além dos clássicos foi possível ao estudante encontrar estudos antropológicos que concordam com os resultados da simulação.

Finalmente, o estudante ressalta que, apesar de bastante simplificado, o modelo atingiu o nível de concordar com algumas críticas às teorias econômicas clássicas. Assim, utilizando o modelo para entender a importância da rede social no aparecimento do dinheiro, quanto mais hierárquica, maior a chance de surgir o dinheiro, reproduzindo, assim, argumentos comumente vindos da antropologia.

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