Memória do ICB é resgatada a partir da trajetória de professores eméritos

Com apoio do CNPq, ICB produziu documentários que contam a trajetória pessoal e acadêmica de professores eméritos, preservando a memória do Instituto.
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Público assiste trecho do documentário sobre o professor José Carneiro da Silva Filho

Uma escrivaninha antiga e a dúvida sobre onde colocá-la. Este evento trivial foi o ponto de partida de um projeto que, pouco tempo depois, mobilizaria professores e funcionários na tarefa de resgatar a memória do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Na época em que dirigia o Instituto, o idealizador da iniciativa Rui Curi foi questionado sobre onde colocar aquele objeto que pertenceu ao fisiologista Alberto Carvalho da Silva, um dos mais notáveis cientistas da unidade, e posteriormente, ao professor Gerhard Malnic. A situação o fez perceber o quanto se perdia da história do ICB ao passar do tempo. “Nós tivemos a oportunidade de conviver com esses ilustres professores, que tanto contribuíram com a ciência brasileira, mas muitos jovens que chegam aqui não conhecem, não têm essas referências”, lamenta.

Alberto Carvalho morreu em 2002, aos 85 anos. Gerhard Malnic, que foi seu orientando, hoje também é professor emérito do ICB, e um dos protagonistas dos documentários que o projeto “Memórias do ICB – Um olhar para a história das Ciências Biomédicas no Brasil” produziu e lançou no último dia 25 de novembro, em cerimônia no Auditório Luiz Rachid Trabulsi. São quatro produções que contam a trajetória pessoal e acadêmica de Malnic e de três outros professores eméritos do ICB: Erney Felício Plessman de Camargo, Flávio Fava de Moraes e José Carneiro da Silva Filho.

Uma instituição não é feita nem é reconhecida por tijolos, mas pelas pessoas que a integram. A instituição tem a obrigação de preservar o que ela tem de mais rico, que são seus recursos humanos.

“Uma instituição não é feita nem é reconhecida por tijolos, mas pelas pessoas que a integram. A instituição tem a obrigação de preservar o que ela tem de mais rico, que são seus recursos humanos”, afirmou o pró-reitor de Pesquisa, José Eduardo Krieger, durante o evento. E contar a história desses professores eméritos é também contar a história das ciências biomédicas no país. Além da reconhecida contribuição ao conhecimento científico em suas respectivas áreas, estes professores também se destacaram por sua atuação no ambiente acadêmico, assumindo posições de liderança em cargos de gestão.

Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Diretor do ICB, Jackson Bittencourt fala durante evento de lançamento dos documentários gravados com professores eméritos do Instituto

Inspiração na juventude

“Invariavelmente colocamos as memórias em papel, elas viram livro e ficam nas estantes da biblioteca, raramente consultadas. Mas queríamos um projeto vivo, que despertasse o interesse dos jovens”, explica Rui Curi. Daí surgiu a ideia de produzir material audiovisual sobre os professores eméritos do ICB, viabilizado pelo Programa Difusão e Popularização da Ciência do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Capa do DVD “Memórias do ICB”

A juventude também inspira a continuidade do trabalho de Gerhard Malnic. “Ainda estou aqui na universidade por causa deles. Para mim sempre foi um atrativo poder falar e discutir com eles, saber o que eles querem fazer, orientá-los na vida, não só na ciência”. Pesquisador do Departamento de Fisiologia e Biofísica do ICB, Malnic conta que frequenta o laboratório quase todos os dias e ainda tem alunos sob sua orientação. Nascido na Itália, mas de nacionalidade austríaca, o professor seguiu a área de fisiologia renal por influência do professor Alberto Carvalho e nela tornou-se pioneiro no Brasil. A escrivaninha de metal que herdou do orientador, conta, está hoje na biblioteca do Instituto.

Os alunos são também uma inspiração para professor emérito Erney Felicio Plessmann de Camargo. O parasitologista conta que é um orgulho poder formar pessoas e que cinco de seus alunos são, atualmente, professores titulares. Mas ressalta que tudo isso são apenas desdobramentos do trabalho principal: fazer ciência.

Ao mesmo tempo que você faz pesquisa, o que você gosta, você tem obrigação de prestar atenção no que está acontecendo ao seu redor.

Seu primeiro trabalho independente, um artigo sobre crescimento e diferenciação do Trypanosoma cruzi (parasita causador da doença de Chagas), publicado em 1964, é citado até hoje. O estudo tornou viável a produção do protozoário em escala, o que viabilizou diversos avanços da pesquisa na área. “Quando comecei minha carreira, a situação era dramática. Havia pelo menos 2 milhões de brasileiros ameaçados pela doença de Chagas. Hoje não tem mais. Então, ao mesmo tempo que você faz pesquisa, o que você gosta, você tem obrigação de prestar atenção no que está acontecendo ao seu redor”, pontua.

Ciência com humildade

Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP

Formado em Odontologia, Flávio Fava de Moraes nunca clinicou. Escolheu dedicar sua vida à carreira acadêmica, na área de histologia e embriologia. Foi reitor da USP, diretor científico da Fapesp e assumiu ainda diversos outros cargos em instituições científicas, recebendo prêmios e distinções. Sobre a homenagem do ICB, conta que é gratificante e que mas defende que premiações devem ser sempre vinculadas ao bem comum, não ao esnobismo. “A humildade faz parte da boa ciência. Não como comportamento pessoal, mas como valor intrínseco do caráter das pessoas”, acredita.

A humildade faz parte da boa ciência. Não como comportamento pessoal, mas como valor intrínseco do caráter das pessoas.

A humildade é característica que transparece nas falas de José Carneiro da Silva Filho, único homenageado que não estava na cerimônia de lançamento dos documentários, por questões de saúde. O recifense é autor, junto ao professor Luiz Carlos Junqueira, do livro Histologia Básica, cuja primeira edição foi lançada em 1969. A obra já foi publicada em 15 línguas e é considerado um dos livros mais influentes no ensino da ciência. “Nossa combinação foi a seguinte: vamos escrever um livro para servir aos estudantes. Vamos nos colocar na pele deles”, conta o professor emérito do documentário.

Próximos passos

Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: Cecília Bastos / Jornal da USP
Pró-reitor de Pesquisa, José Eduardo Krieger, e os professores homenageados Erney Plessmann, Flavio Fava e Gerhard Malnic (da esq. para dir.)

A realização dos documentários com os professores eméritos do Instituto de Ciências Biomédicas foi o primeiro grande passo para o resgate e difusão da memória da unidade, concretizado no ano em que o ICB comemora 45 anos. Os responsáveis planejam transmitir as produções na TV USP e disponibilizar os videos em bibliotecas e pela internet. Foi formado também um Grupo de Memória Institucional, que agora trabalha na construção de um banco de dados e imagens do Instituto, dando continuidade à iniciativa.

Segundo o atual diretor do Instituto, Jackson Cioni Bittencourt, a proposta é que o próximo projeto registre também depoimentos de todos aqueles que já dirigiram a unidade, por serem testemunhos importantes da evolução do ICB. Ressalta ainda a participação fundamental dos funcionários que encabeçaram o projeto e o tornaram realidade. “Ver isso realizado é uma das melhores coisas que aconteceu nesses dois primeiros anos do meu mandato”, afirma Bittencourt.

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