Ondas gravitacionais: só o começo da verdade que está lá fora

Para o astrofísico do IAG Rodrigo Nemmen, a área ainda tem muitas descobertas a fazer para esclarecer os mistérios do universo.

Em fevereiro deste ano, pesquisadores americanos do projeto Ligo (sigla em inglês de Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) observaram uma série de “distorções no espaço e no tempo” causadas por um par de buracos negros com 30 massas solares em processo de fusão. As tais distorções, conhecidas na física como “ondas gravitacionais”, comprovaram previsões realizadas por Albert Einstein em sua Teoria da Relatividade.

No editorial que esclareceu os leitores sobre a descoberta, articulistas do jornal inglês The Guardian se perguntavam se o novo achado preconizava o “fim da física como conhecemos”. Para o astrofísico e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Rodrigo Nemmen, é justamente o contrário: “eu diria que é o começo e o que mais empolga é o que está por vir”.

Na opinião do astrofísico, a importância da descoberta é múltipla. “Isso é algo que nós ficamos esperando 100 anos para observar”, celebra o pesquisador, evocando o conjunto de teorias científicas publicadas por Einstein em 1915.

Etapas até a descoberta

Vale notar, como explica Nemmen, que já havia uma observação indireta das ondas gravitacionais. E isso rendeu um Nobel aos pesquisadores Russell A. Hulse e Joseph H. Taylor Jr., que receberam o prêmio em 1993 pela descoberta de um novo tipo de pulsar, abrindo novas possibilidades no estudo da gravitação.

“Eles descobriram um sistema binário, constituído por dois pulsares – estrelas de nêutrons – que giram ao redor um do outro”, conta o professor. Foi observando a radiação vinda desse sistema que ambos notaram uma aproximação crescente entre os astros. “É um balé que está ficando cada vez mais íntimo”, ilustra. A única maneira de explicar o comportamento, esclarece ele, seria se esse sistema binário estivesse emitindo ondas gravitacionais. “Na física, nós sabemos que se uma órbita estiver se aproximando, esse sistema está perdendo energia – e a maneira de perder energia é pelas ondas gravitacionais”, explica. A comparação dessa órbita casou perfeitamente com a teoria de Einstein.

Agora nós não somente enxergamos a luz do universo,
nós também escutamos a sinfonia do espaço/tempo

Astrofísico e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Rodrigo Nemmen - Foto: Divulgação
Astrofísico e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, Rodrigo Nemmen | Foto: Divulgação

Pouco mais de trinta anos após esse primeiro passo rumo à comprovação do fenômeno, cientistas comemoram a detecção feita nos EUA. “Essa observação é um momento histórico da ciência e, em particular, da astronomia, porque ela marca o início de uma revolução na área”, declara o professor. Até o momento, a astronomia dependia da observação da luz do universo para entender o comportamento do cosmos, mas essa descoberta “abriu uma nova janela de observação” do universo. Agora, “nós não somente enxergamos a luz do universo, nós também escutamos a sinfonia do espaço/tempo. É um novo tipo de astronomia”, teoriza Nemmen.

O que falta descobrir

Para os que não entenderam como a descoberta pode ajudar cientistas a compreender melhor os fenômenos da astrofísica, Nemmen esclarece que especificamente as ondas gravitacionais são produzidas nos eventos “mais misteriosos e violentos do universo”. E serão eles que, a partir desse achado, vão poder ser efetivamente compreendidos por meio das ondas gravitacionais.

Observatórios, como o de La Silla, no norte do Chile, vão melhorar a precisão da localização das fontes de ondas gravitacionais - Foto: ESO/Iztok Bončina
Observatórios, como o de La Silla, no norte do Chile, vão melhorar a precisão da localização das fontes de ondas gravitacionais | Foto: ESO/Iztok Bončina

Com observatórios – também conhecidos como experimentos ou interferômetros – espalhados pelo mundo, especialistas esperam fazer uma triangulação das ondas gravitacionais que atravessam nosso planeta e assim melhorar a precisão da localização de suas fontes no céu.

Além disso, para as próximas décadas, a parcela da comunidade científica que volta seus olhos para o espaço enfrentará o desafio maior de tentar entender do que ele, de fato, é feito, já que mais de 90% do que constitui o universo é desconhecido. “Nós não temos ideia do que é feito cerca de 96% do universo”, pontua Nemmen. “Sabemos que cerca de 70% dele é formado disso que chamamos de energia escura. E um pouco mais de 25% é feito da tal matéria escura”, ambos conceitos nebulosos na mente dos estudiosos.

Nós não temos ideia do que é feito cerca de 96% do universo.

Elucidar a natureza da energia e da matéria escura é, possivelmente, um dos maiores desafios que a astrofísica enfrentará nos próximos anos. Para o docente, ambas são particularmente difíceis de se estudar porque “haveria muito pouca matéria escura no sistema solar”. Essas substâncias, cuja densidade é “baixíssima”, estão longe demais do alcance dos telescópios humanos. Mas, apesar de não saberem exatamente o que as constitui, cientistas não têm dúvida de sua existência. “Não sabemos o que elas são, mas sabemos que elas estão lá”, afirma.

Exoplanetas e vida fora da Terra

Outra busca entre os “santos graais” da astrofísica é por planetas semelhantes à Terra fora do sistema solar. “De acordo com a nossa limitada visão do universo, nós estamos buscando planetas parecidos com a Terra – chamados de exoplanetas”, esclarece. “Isso faz parte de uma busca mais ampla que é a busca de vida, mas achar vida é extremamente mais complicado e sutil”. Para ele, a meta é que no futuro possamos observar a atmosfera dos planetas e quem sabe, identificar efeitos de uma civilização fora da Terra.

Para auxiliar nessa busca, a NASA (sigla em inglês de National Aeronautics and Space Administration – Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço) pretende lançar até 2018 o James Webb Space Telescope, um projeto de missão não tripulada com a finalidade de colocar no espaço um observatório para captar a radiação infravermelha.

Contribuições do IAG

Concepção artística de um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia - Foto: ESO/L. Calçada
Concepção artística de um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia | Foto: ESO/L. Calçada

Mais uma das principais cruzadas da astrofísica que pode ter fim em breve é elucidar o comportamento da gravidade perto de um buraco negro. “Sabemos que Einstein estava certo em ambientes de gravidade fraca, mas quanto aos ambientes mais colossais do universo, nós ainda não temos como confirmar suas teorias”, diz Nemmen. A observação de buracos negros é um dos mais complicados empreendimentos que a astronomia ainda não consolidou. “Ainda não conseguimos fechar a enciclopédia da gravidade”, sintetiza o professor.

Entre os diversos projetos desta área com a participação do IAG, Nemmen destaca o Event Horizon Telescope, um projeto que envolve diversos institutos internacionais e consiste em articular uma rede global de telescópios ao redor da Terra. Seu principal objetivo é observar o buraco negro supermassivo conhecido como Sagitário A. “Seu tamanho aparente no céu é equivalente ao tamanho de um CD visto da Terra e colocado na superfície da Lua”, ilustra ele.

“A promessa do telescópio é fazer a primeira imagem do horizonte de eventos de um buraco negro”, afirma ao explicar que, uma vez obtida essa imagem será instantaneamente mais fácil confirmar a validade de parte das teorias de Einstein. “Sabemos que os buracos negros existem, não há dúvidas, mas não conseguimos testar detalhes de como eles funcionam”, diz. 

Mais informações: site http://rodrigonemmen.com/

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