“Pint of Science” em São Carlos discute inovação e ciências matemáticas

Evento internacional de divulgação científica foi realizado pela primeira vez no Brasil, por iniciativa do ICMC.

 

Carla Monte Rey / Assessoria de Comunicação do CeMEAI

Quarta-feira, sete e meia da noite. Aos poucos, o espaço do Mosaico Restaurante, no centro de São Carlos, vai ganhando público. E fica lotado. Gente que chega para prestigiar uma das últimas mesas-redondas do Pint of Science 2015, evento internacional de divulgação científica realizado pela primeira vez no Brasil, por iniciativa do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação (ICMC) da USP. Foram seis mesas-redondas ao todo, em locais mais descontraídos, como restaurantes e bares. Tudo para aproximar pesquisadores, empresários e a comunidade em geral.

Quem coordenou o bate-papo foi o pesquisador Francisco Louzada, também coordenador de transferência tecnológica do Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (Cepid -CeMEAI). Além de Louzada, cinco convidados falaram sobre o tema: José Alberto Cuminato, diretor do Cepid -CeMEAI; Edson Leite, coordenador de transferência tecnológica do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais; Eduardo Brito, agente de inovação e analista administrativo da Agência USP de Inovação; Emiliano Valério, diretor da empresa Stepwise, de consultoria estatística, e Euclides Matheucci Jr., diretor da DNA Consult Genética e Biotecnologia.

Francisco Louzada falou de inovação, palavra que vem do latim (innovare) e está relacionada à mudanças, ao redescobrir sempre. E a Matemática, onde entra nisso? O tempo todo. “Desde que acordamos temos a matemática no despertador, conseguimos programar um tempo pra tomar um café, depois recebemos pela tv informações como as estatísticas de crimes, resultados de jogos etc”, ressaltou.

A estrutura do CeMEAI também foi reforçada: funciona como uma ponte entre a universidade e a comunidade. “Há um problema industrial, há uma análise, teorização e proposição de solução desse problema, depois um treinamento dos profissionais envolvidos para assimilação dos resultados e por fim a transferência assistida de tecnologia”. Também foram exemplificados os trabalhos do CeMEAI junto às indústrias da área da saúde, projetos de detecção de talentos esportivos, modelagem estatística para detecção de fraudes, e trabalhos junto à empresas petrolíferas, de móveis e de produção de frangos. São apenas alguns dos cerca de 50 projetos do Centro. Parcerias com mais de 30 empresas.

Foram citados ainda pelo professor a Clínica Matemática, já em prática auxiliando por meio das ciências matemáticas as empresas na solução rápida de problemas, e o Mestrado Profissional em Matemática, Estatística e Computação aplicadas à Indústria (MECAI), voltado para a formação de pesquisadores aptos a identificar problemas complexos no setor empresarial por meio de uso eficiente e crítico de métodos matemáticos, estatísticos e de computação. Este ano o mestrado teve 151 inscritos. Louzada explicou que a ideia do Cepid ganhou ainda mais força com o professor José Alberto Cuminato, atual diretor do CeMEAI. “O símbolo do CeMEAI é uma espécie de semente conectada a uma engrenagem em formato de flor, fazendo alusão a semear as ciências matemáticas, levando-as às industrias”, disse ele.

Inovação em ciências matemáticas 

José Alberto Cuminato, falou sobre a realidade do Brasil e de outros países em desenvolvimento em relação às ciências matemáticas. “Elas têm geralmente histórico acadêmico. Se perguntarmos aos alunos o que esperam da formação em matemática muitos dirão que pretendem ser professores ou no máximo professores universitários. Os nossos próprios alunos não esperam ter um emprego em um banco. E isso tá mudando, porque as necessidades vão aparecendo e tudo muda. Se a matemática é um mistério, eu diria que nenhuma sociedade se desenvolveu sem levar em conta as ciências matemáticas. Para sermos um país em desenvolvimento, teremos que passar pela matemática como uma ferramenta de produção. O desenvolvimento depende disso”, explicou Cuminato.

O principal ponto de inovação, segundo ele, é convencer as pessoas da importância disso, o que não é simples. “Muitos pensam que é um xadrez: você pensa, decora e pronto. Ninguém pensa que o celular só funciona porque existem alguns teoremas. A maioria das inter-relações de seguros, empréstimos, só funciona porque existem as ciências matemáticas.” Finalizou deixando a mensagem de que as ciências matemáticas tem que ir além do jogo, tem que apresentar consequências. Sem tecnologia não teríamos luzes acesas, cerveja gelada. A matemática é uma parte integrante de tudo. Não pode ser uma linguagem isolada, que serve pra deixar o pessoal doido e atrapalhar a vida das pessoas”, concluiu o diretor do CeMEAI.

Foi com a ideia de que as empresas necessitam das ciências matemáticas que o biólogo de formação e empresário Euclides Matheucci Jr. continuou a conversa no restaurante. E deu o próprio exemplo pra ilustrar a realidade. “Eu trabalho com uma tecnologia nova, que é genômica. As ideias inovadoras são interdisciplinares e a matemática é isso. Eu sou biólogo formado pela USP de Ribeirão Preto e comecei a minha empresa em 1996 com sequenciamento de DNA. Até há alguns anos eu tirava o sangue, tratava os dados e emitia um laudo. Hoje é impossível fazer isso porque em cada gerenciamento geram-se muitos dados. Preciso de uma matemática robusta pra me ajudar. Isso é muito claro no meu trabalho no dia-a-dia. Fico feliz e orgulhoso de ter uma iniciativa assim do Cepid que traz respaldo ao meu trabalho”. O empresário disse ainda que tem certeza de que o Cepid -CeMEAI vai trazer um ganho enorme de qualidade às empresas.

Eduardo Brito, agente de inovação e analista administrativo da Agência USP de Inovação falou das palavras “parceria” e “produto”. Disse que a agência de inovação tem como estreitar os laços para que essas parcerias gerem cada vez mais produtos. Explicou que a agência está com a universidade para facilitar a formação dessa parceria, dessa formalização. Falou do lançamento do portal de convênios, que já foi implantado e diminuiu a burocracia entre os pesquisadores e as empresas. “Ganha-se agilidade. A agência quer ser parceira, facilitadora. E vocês podem contar com nosso apoio”, finalizou Brito.

Edson Leite, coordenador de transferência tecnológica do Cepid -CDMF falou também de sua experiência nos últimos 11 anos no centro. “Às vezes a ciência é bem feita, mas falha-se na inovação. Então tentamos traçar uma estratégia diferente, com o Cepid sendo nucleador de novas tecnologias. Criamos dentro do nosso Cepid um órgão pra gerar empresas e tecnologias. Temos a área física e equipamentos, vamos instalar a planta-piloto para as empresas usarem. A proposta do Cepid -CeMEAI da USP é inovadora. Tem que haver pessoas que se dediquem dentro da empresa pra que a inovação dê certo. Às vezes a conversa é muito difícil, principalmente quando se trata da matemática, Acredito que seja um dos maiores desafios de vocês. Achei interessante o MECAI temático e acredito que este vai ser o caminho: criar recursos humanos para a indústria fornecendo corpo técnico qualificado. Esta é a mensagem que deixo”, concluiu o pesquisador.

Além dos portões da universidade e dos bancos

Emiliano Valério foi aluno da Estatística da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Hoje, está à frente de uma empresa de consultoria na área. O empresário foi aluno do professor Louzada e trabalhou 12 anos no setor financeiro. “O que percebemos é que as ciências matemáticas no setor financeiro já foram bem exploradas. Estão muito bem inseridas nos bancos, nas seguradoras. Percebo que falta estatística em outros setores, e é uma oportunidade grande delas atenderem estes setores. A questão da inovação não vem muito das empresas. Geralmente nasce e fica dentro da academia. Por isso é fundamental que as indústrias se aproximem da universidade; por outro lado a universidade tem que se voltar ao empreendedorismo, formando profissionais que saibam montar o próprio negócio, que entendam do tema”, ressaltou Valério.

Depois de uma hora e vinte minutos de apresentações e ponderações, as pessoas que estavam presentes também puderam fazer perguntas e tirar as dúvidas sobre o tema. Enquanto isso, universitários ligados a projetos do Cepid-CeMEAI apresentavam nas mesas alguns dos trabalhos desenvolvidos. São iniciativas que já deram resultado, como o software que detecta talentos esportivos, o iSport, implantado em escolinhas de futebol.

Além de universitários e professores do Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação e do Departamento de Estatística da UFSCar, também estiveram presentes pessoas que não são da área. Vieram pela curiosidade. Maysa Marinho Ramos é pedagoga, e aproveitou que o marido ia ao evento pra acompanhá-lo. “Acredito que as ciências matemáticas devam sim ultrapassar o universo acadêmico. Como todos eles disseram, a gente precisa muito da Matemática”, comentou ela. Também assistiram ao bate-papo comerciantes da cidade e até uma funcionária do Departamento de Artes de uma Universidade de Salvador, que estava na cidade visitando o filho, estudante da USP.

Antes mesmo do evento terminar, a organização do Pint of Science divulgou que outras cidades se interessaram em replicar essa inciativa. E que o evento já está confirmado para o próximo ano.

O evento surgiu em 2012 em Londres, quando dois cientistas do Imperial College of London (Michael Motskin e Praveen Paul) organizaram um encontro de pesquisadores. Eles reuniram pessoas portadoras do mal de Parkinson e do Alzheimer, porque pesquisam as doenças e gostariam de compartilhar os estudos com a comunidade. Como o encontro teve repercussão, eles o batizaram de Pint of Science e passaram a realizar anualmente pra aproximar cientistas da população.

Sobre o CeMEAI

O Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), com sede no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela Fapesp. O CeMEAI é especialmente adaptado e estruturado para promover o uso de ciências matemáticas (em particular matemática aplicada, estatística e ciência da computação) como um recurso industrial.

As atividades do Centro são realizadas dentro de um ambiente interdisciplinar, enfatizando-se a transferência de tecnologia e a educação e difusão do conhecimento para as aplicações industriais e governamentais. As atividades são desenvolvidas nas áreas de Otimização Aplicada e Pesquisa Operacional, Mecânica de Fluidos Computacional, Modelagem de Risco, Inteligência Computacional e Engenharia de Software.

Além do ICMC, o Cepid-CeMEAI conta com outras cinco instituições associadas: o Centro de Ciências Exatas e Tecnologia (CCET) da UFSCar; o Instituto de Matemática Estatística e Computação Científica (IMECC) da UNICAMP; o Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas (IBILCE) da UNESP; a Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da UNESP; o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE); e o Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP.

Mais informações: (16) 3373.8159, email: contatocepid@icmc.usp.br

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