Projeto busca preservar garoupa-verdadeira por meio da reprodução em cativeiro

Iniciativa visa reprodução das fases iniciais destes peixes num ambiente confinado de piscicultura.

Luciano Abel / CEBIMar

Quem ouvir de pescadores tradicionais do litoral norte de São Paulo sobre a pesca da garoupa, provavelmente saberá sobre a abundância destes peixes e a constância com que eram fisgados num passado nem tão remoto. Sua carne saborosa, vendida em pratos por vezes requintados nos restaurantes da região, foi determinante para o aumento excessivo do número de exemplares capturados ao longo dos anos, mais do que as populações puderam repor.

Como resultado, atualmente as populações naturais de Epinephelus marginatus, a garoupa-verdadeira, são sensivelmente pequenas, assim como o tamanho — garoupas desta espécie podem chegar a 60 kg, mas vêm sendo pescadas com até 20 kg apenas —, o que levou a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN na sigla em inglês) a considerá-la como em perigo de extinção.

Neste sentido, o Laboratório de Metabolismo e Reprodução de Organismos Aquáticos (LAMEROA) do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências (IB) da USP vem conduzindo, desde 2010 em parceria com o Centro de Biologia Marinha (CEBIMar) da USP, e com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), um projeto que visa a conservação de Epinephelus marginatus a partir da aquicultura. Conduzido pela professora Renata Guimarães Moreira, o projeto está atualmente estruturado na viabilização da criação de garoupas em cativeiro, mais especificamente em tanques com água do mar corrente. O objetivo central é possibilitar a reprodução e o desenvolvimento das fases iniciais destes peixes num ambiente confinado de piscicultura, fornecendo assim, uma alternativa que poderia aliviar a pressão pesqueira sobre as populações naturais e ainda permitir um possível repovoamento destes estoques.

Além das vantagens ambientais, a substituição da pesca da garoupa-verdadeira por sua criação em cativeiro pode ainda gerar benefícios dos pontos de vista da segurança do trabalho, considerando que boa parte das garoupas é atualmente capturada em mergulho livre, uma atividade que envolve muitos riscos, às vezes fatais. Além deste benefício, a qualidade da carne produzida num sistema controlado, seja do ponto de vista nutricional ou sanitário, tende a ser melhor quando comparada aos peixes pescados no ambiente natural, uma vez que estes são mais susceptíveis a parasitas e substâncias poluidoras das águas.

Fisiologia como ferramenta

Apesar de parecer relativamente simples, a manutenção e procriação de peixes fora do seu habitat natural exige uma série de demandas, sobretudo considerando-se uma espécie de difícil adaptabilidade em cativeiro, como Epinephelus marginatus. Visando facilitar esta tarefa, o LAMEROA tem desenvolvido, nas dependências do CEBIMar, estudos que tentam melhor compreender o ciclo reprodutivo e o desenvolvimento destes animais.

As pesquisas abrangem a análise de hormônios sexuais, o estudo da alimentação e do crescimento de larvas, a investigação da influência do metabolismo de ácidos graxos no desenvolvimento das garoupas adultas e experimentações com composições de alimentos que proporcionem bom desempenho reprodutivo. Essa combinação de pesquisas científicas com abordagens nas áreas de endocrinologia, larvicultura e nutrição, tem se demonstrado interessante, pois já possibilitou progressos ao projeto desde o seu início em 2007, no Instituto de Pesca de Ubatuba (SP).

A inversão sexual de fêmeas para machos talvez tenha sido o maior dos avanços. Na natureza, as garoupas são fêmeas durante maior parte da sua vida, mas em idade avançada e sob determinadas condições ambientais ainda não muito conclusivas, desenvolvem características sexuais masculinas. Desta forma, a problemática da ausência de machos numa piscicultura foi contornada com a utilização e monitoramento de hormônios sexuais.

Posteriormente, a criopreservação do sêmen, a fertilização in vitro e o estudo dos estágios embrionários — desde zigoto até larva —também foram ganhos significativos.

Perspectivas

Além da professora Renata Guimarães Moreira, o “Projeto Garoupa”, como é informalmente conhecido, conta atualmente com mais quatro pesquisadores e uma técnica de laboratório. Apesar dos avanços comemorados pela equipe, eles tentam agora vencer mais alguns desafios.

Entre os principais obstáculos estão a dificuldade de se obter fêmeas vitelogênicas em cativeiro, ou seja, com óvulos maduros e fecundáveis, e de se estabelecer condições adequadas ao desenvolvimento das larvas para o estágio de juvenis.

É consenso que o projeto ainda demanda muito estudo e que a piscicultura marinha brasileira de um modo geral ainda está se desenvolvendo — comparando com locais que têm aquicultura avançada, como os países do leste asiático. Por outro lado, a boa notícia é que o fomento às pesquisas relacionadas à aquicultura marinha vem aumentando nos últimos anos no Brasil e por intermédio do conhecimento científico a garoupa-verdadeira, que foi o animal escolhido para ilustrar a nota mais valiosa da moeda nacional
(R$ 100,00), pode ter seu alto valor reconhecido também no campo da conservação.

Mais informações: (12) 3862 8434, no CEBIMar

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