Proteína de fusão pode ajudar a entender funcionamento da visão humana

Fusão entre a rodopsina e guanilil ciclase atua como sensor de luz e em processos fisiológicos de sinalização da visão

Júlio Bernardes / Agência USP de Notícias

Pesquisa do Instituto de Química (IQ) da USP sobre uma proteína de fusão associada à resposta a estímulos luminosos do fungo Blastocladiella emersonii pode auxiliar no entendimento dos mecanismos de funcionamento da visão humana. A proteína, descoberta durante o sequenciamento genético do fungo, é uma fusão entre a rodopsina, fotopigmento que atua como sensor de luz na maioria dos organismos e em seres humanos, e a guanilil ciclase, enzima que sintetiza o GMP cíclico, ligado a processos fisiológicos como a sinalização da visão em animais vertebrados. Na medida em que o fungo responde à luz se movimentando, é possível quantificar a ação dessas proteínas e estabelecer uma comparação com os processos de percepção e resposta à presença de luz na visão dos seres humanos. Este trabalho foi publicado no último mês de junho na revista científica internacional Current Biology.

“Os experimentos demonstraram que esta nova proteína de fusão rodopsina-guanilil ciclase está envolvida no processo de fototaxia — que é o movimento dos seres vivos associado a estímulos luminosos —, permitindo que zoósporos do fungo nadem em direção à luz”, explica a professora Suely Gomes, que coordena a pesquisa. “Zoósporos são células móveis do fungo, responsáveis por sua dispersão no meio ambiente. No estudo é mostrado que tanto a rodopsina como a guanilil ciclase são essenciais para a resposta à luz em Blastocladiella“.

Na pesquisa foram realizados experimentos de fototaxia, investigando o movimento do fungo em resposta à luz na presença de um inibidor da rodopsina, os quais mostraram que a inativação da rodopsina pelo inibidor hidroxilamina impede que o fungo responda à luz e se movimente. “O uso de um inibidor da atividade de guanilil ciclase também mostrou que o aumento nos níveis de GMP cíclico, que ocorre quando o fungo é exposto à luz, é essencial para a resposta aos estímulos luminosos”, aponta Suely.

O estudo investigou ainda a localização da proteína rodopsina-guanilil ciclase em experimentos de imunolocalização com um anti-soro específico obtido contra a proteína de fusão. “A proteína foi encontrada em uma organela rica em lipídeos localizada próximo ao flagelo do fungo e voltada para o exterior da célula, que havia sido denominada “eyespot”, tanto em Blastocladiella como entre outros fungos da mesma classe, por se acreditar que esta estrutura pudesse estar envolvida com a resposta à luz”, afirma a professora.

Percepção visual

A percepção visual do fungo Blastocladiella emersonii utiliza alguns componentes também presentes na visão de vertebrados, como a rodopsina e o segundo mensageiro GMP cíclico (cGMP), embora a distância filogenética entre esses dois grupos de organismos seja da ordem de 1 bilhão de anos. “Os resultados da pesquisa sugerem que a fototaxia neste grupo de fungos e a visão de vertebrados possam ter origem em um ancestral comum”, diz Suely. “Outras espécies de fungos que não possuem células móveis não possuem a enzima guanilil ciclase. Acredita-se que a perda do flagelo por estes fungos levou também à perda da guanilil ciclase”.

Os resultados mostram ser viável a utilização de uma metodologia simples como a fototaxia para analisar outros possíveis aspectos desta via de sinalização, de acordo com a professora. “No momento é estudado um canal iônico regulado por cGMP que é similar ao canal regulado por cGMP que atua no processo da visão em humanos”, diz. “A proteína fotosensora encontrada em Blastocladiella poderá ser utilizada em outros organismos como ferramenta para estudar possíveis mecanismos de regulação envolvendo exposição à luz”.

Suely aponta que as descobertas do trabalho podem proporcionar uma excelente oportunidade para investigar em um fungo duas importantes proteínas envolvidas na visão humana. “Visto que a resposta do fungo à luz culmina em movimento, esse modelo fornece um maneira simples de quantificar as funções destas proteínas”, afirma. “Desta maneira o estudo sugere novas formas para compreender os genes que controlam a percepção e a resposta à luz”.

O trabalho faz parte da tese de doutorado da aluna Gabriela Mól Avelar. A pesquisa teve a colaboração do professor Robert Ivan Schumacher e do pós-doutor Paulo Zaini, ambos do Departamento de Bioquímica do IQ, nos experimentos de imunolocalização e de fototaxia, respectivamente. O sequenciamento do genoma de Blastocladiella está sendo realizado em colaboração com o Thomas Richards e o pós-doutor Guy Leonard, ambos da University of Exeter (Reino Unido).

Mais informações: email sulgomes@gmail.com, com a professora Suely Gomes

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