Cadê você, bebê?: livro busca amenizar ansiedade de quem tenta ter filhos

Projeto da psicóloga Liliana Seger busca sanar algumas das angústias de pessoas que procuram a Reprodução Humana Assistida.
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

Ter filhos para as novas gerações não parece ser uma prioridade. Entretanto, a descoberta da infertilidade ainda pode ser um grande fardo para o casal, mesmo com os diversos tratamentos e a possibilidade de adoção. Em busca de sanar algumas dessas angústias, Liliana Seger, psicóloga colaboradora do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), escreveu o livro “Cadê você, bebê?”, da editora Segmento Farma.

A pesquisadora, durante seu doutorado no Insituto de Psicologia (IP) da USP, diagnosticou que os casais que estavam tentando ter filhos não possuíam ninguém com quem conversar ou algum apoio para dividir, compartilhar e até ouvir frustrações semelhantes. Isso a motivou a encontrar algum meio que pudesse suprir essa necessidade.

Hoje as redes sociais cumprem parte desse papel. Existem diversos grupos na internet em que pessoas que estão pensando em se submeter aos diferentes tratamentos ou já estão passando por isso se unem para dividir suas angústias e resultados.

A psicóloga percebeu que, quando os casais tentantes trocavam experiências com outros e conversavam sobre o assunto, eles passavam a se sentir menos sozinhos. Da busca de um método para trabalhar essa questão, se originou “Cadê você, bebê?”, um livro com depoimentos e análises de mulheres que passam ou pensam em passar por processos de reprodução humana assistida, falando sobre seus momentos de ansiedade, angústias, dúvidas e também de suas conquistas nesses processos.

Liliana colheu depoimentos tanto de pacientes, quanto de outras pessoas passando pelo problema, e identificou o que trazia mais dor nos diferentes momentos do processo, desde a decisão de ter um bebê, passando pela descoberta da infertilidade do homem ou da mulher, os tratamentos, até a maternidade ou adoção.

Segundo a psicóloga, as questões que os entrevistados, principalmente as mulheres, enfrentam são das mais variadas: “O que está acontecendo?”, “Por que comigo?”, culpa, raiva, o sentimento de ser “menos homem” ou “menos mulher”, a procura de vários médicos, a sensação de ser diferente de todo o mundo.

Durante o processo, quem está tentando ter filhos passa por momentos de ansiedade ao procurar os diferentes tratamentos: inseminação artificial, fertilização in vitro, ovulação, busca por doação de sêmen. A impressão é de que a pessoa só vê fetos, mulheres grávidas com barriga, carrinhos de bebê.

“As maioria das mulheres sente que ter filhos é algo natural. Quando ela se depara com a impossibilidade, é um grande choque”. Durante toda sua vida profissional e acadêmica, Liliana notou que atualmente os casais estão procurando ter filhos mais tarde, após a formação universitária, conquista da casa própria e estabilidade financeira.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Foto: Marcos Santos / USP Imagens

As mulheres, após os 35 anos, têm um decréscimo de ovulação. Os óvulos, na data do nascimento, já estão todos formados no corpo feminino e vão envelhecendo conforme os anos. A dificuldade para engravidar, portanto, aumenta depois dessa idade.

A pesquisadora explica que, apenas após um ano de tentativas, o casal deve procurar ajuda médica, já que as chances de gravidez, em um mês, são de somente 18% quando não há problema nenhum. Entretanto, por desconhecer essa informação, as pessoas acreditam que devem engravidar nas primeiras tentativas sem o uso de métodos contraceptivos. Isso provoca uma alta carga de ansiedade quando, muitas vezes, não há nada de errado. A psicóloga abre exceção apenas para mulheres mais velhas, que para ela devem procurar um médico antes desse período, com vistas a ganhar tempo.

A autora afirma que “40% das questões de infertilidade são das mulheres, 40%, dos homens e 20%, mistas”. Quando um homem não produz espermas, tem pouca quantidade ou baixa mobilidade, ele pensa que é menos potente ou viril, o que não têm relação com a fertilidade. Psicologicamente, porém, a ligação é muito forte e há aqueles que ficam debilitados emocionalmente quando descobrem. Contudo, no geral, as mulheres se abalam mais com a descoberta.

Projeto social e pessoal

O livro não fez parte de nenhum projeto acadêmico da pesquisadora. Foi um projeto voltado para leigos, que desconhecem os tratamentos ou não possuem dinheiro para uma terapia. A sua diagramação e seu conteúdo são leves e de fácil acesso para não parecer algo acadêmico. “Eu queria que esse livro fosse o conselheiro dessas pessoas, que pudesse acalmar suas angústias e elas percebessem que outros também passam por situações semelhantes”.

Foto: Marcos Santos / USP Imagens
Liliana Serge: adoção não é um vale-brinde para engravidar

E, neste aspecto, o objetivo está sendo atingido, diz a psicóloga, ao mencionar que já recebeu uma mensagem de uma leitora que não tinha condições financeiras, passava pelo processo com muito sofrimento e utilizou as informações do livro como terapia.

O Sistema Único de Saúde (SUS) fornece tratamentos de reprodução humana assistida no HC e no Hospital Pérola Byington. Entretanto, existe uma seleção muito rígida para receber o atendimento incluindo, entre outros critérios, idade e tempo de tentativa. Normalmente somente os procedimentos mais baratos são oferecidos, e a medicação tem preço muito elevado. A pesquisadora considera que, nesse aspectos, as mulheres estão desassistidas: “Infelizmente, no Brasil, para a saúde pública, o não poder ter filhos não é considerado um problema – o problema é ter filhos demais”.

Infelizmente, no Brasil, para a saúde pública, o não poder ter filhos não é considerado um problema – o problema é ter filhos demais.

Segundo Liliana, os casais costumam escutar de amigos e médicos para “desencanar”, focar suas atenções em outras coisas porque pode ser coisa da cabeça dela e sugerem para adotar um cachorro e até mesmo uma criança para amenizar o estresse entorno do assunto. Isso, para ela, é a pior coisa que se pode falar para alguém que está tentando. “Adoção não é um vale-brinde para engravidar”. A fala ‘adote um que depois vem o seu’ é comum e surpreende a pesquisadora: “Se você adotar um filho ele é o seu”.

Esses argumentos também podem deixar a pessoa ainda pior, porque ela supõe que não consegue engravidar por sua culpa, por conta de seus problemas emocionais, quando não é isso. O estresse causa alterações hormonais importantes, mas “não se trata só de parar de ficar preocupado”.

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