Internet é saída para leitores de romances sentimentais, revela pesquisadora da FE

Romances sentimentais são caracterizados por enredos simples e finais felizes, e suas leitoras dizem sofrer com o preconceito.

Mariana Melo / Agência USP de Notícias

Leitores de romances sentimentais formam grupos na tentativa de promover sua identificação social, uma vez que são estigmatizados por fazerem leituras que não são consideradas de qualidade pela crítica vigente. “Esses livros mostraram promover grande socialização entre as mulheres por meio, inclusive, de redes sociais e blogs”, revela a pedagoga Patrícia Aparecida do Amparo.

A pesquisasora realizou na Faculdade de Educação (FE) da USP um estudo de mestrado cujo objetivo era determinar o quanto esses romances influenciavam na formação de um padrão de leitura do seu público consumidor. A pesquisa iniciada em 2009, foi finalizada em abril de 2012, sob orientação da professora Dislane Zerbinatti Moraes.

As histórias nestes livros seguem um padrão de acontecimentos: primeiro, há a apresentação de personagens, depois, no enredo, os problemas são revelados e solucionados até o final, que sempre é feliz. Os desafios propostos pelo enredo funcionam de modo a transformar os personagens em pessoas melhores, no que a pedagoga chamou de percurso formador. As histórias são ambientadas na Inglaterra ou nos EUA do século 19, e retratam o cotidiano de nobres ou burgueses.

Esses romances são vendidos em bancas, mas o público alvo também os procura em sebos ou em blogs que possibilitem o download de edições. Estas obra são adquiridas em locais de trânsito e, segundo a autora, “isso é uma característica desses leitores: é um leitor que, de modo geral, não vai a livrarias”.

Idealização e preconceito

Patrícia percebeu que há uma forte oposição entre mundo ficcional e real nessas leituras, porque a estrutura do romance cria idealizações que permitem inferir que valores morais ideais pertencem somente ao passado descrito nestas histórias. As personagens femininas são sempre belas e dependentes de proteção masculina. Segundo a autora, “O modelo feminino do século 19 sofre uma atualização para facilitar a identificação das leituras”. Patrícia diz que os fãs desses livros elegem Jane Austen como um modelo, mas nos livros, apesar de alguns aspectos semelhantes aos da escritora inglesa, não há crítica, comum ao estilo realista. “A leitura que esses leitores fazem de Austen é diferente da que os críticos fazem”.

As entrevistas para o trabalho foram realizadas na casa de algumas leitoras. Segundo a autora, a ideia era aproveitar a intimidade para levantar questões que ajudassem a determinar o sentido pessoal de leitura para cada entrevistada. Patrícia percebeu que todas começam a ler por serem aconselhadas por mulheres mais velhas. “Os livros tornam-se símbolos compartilhados de mulheres mais velhas para jovens”.

Patrícia percebeu que as leitoras reconhecem que sua leitura ocorre numa espécie de marginalidade. Segundo a pedagoga, o ensino de literatura nos colégios é baseado na interpretação estética comum à crítica literária. Assim, ainda que seja importante estimular apreciação de valores estéticos de um texto ou análises interpretativas, é preciso privilegiar, também, a identificação dos leitores pelas histórias, mesmo que estas sejam consideradas “fáceis”. Esse reconhecimento, por parte dos professores, segundo a pedagoga, é importe porque “as crianças trazem hábitos de leitura de outros lugares. O que acontece é que a escola desautoriza as leituras que o jovem já faz”. Ela complementa dizendo que essas leituras não se tratam de simples modismos, pois acabam atuando como forma de inserção social.

Nos depoimentos, algumas leitoras não admitiam diretamente que faziam essas leituras e, quando o faziam, alegavam preconceito e recriminação. “As leitoras se vêem praticando uma leitura desvalorizada, o que cria um conflito”. Numa forma de se identificarem e compartilharem seus gostos, esse público se articula pela internet, por meio de redes sociais e blogs. “A comunicação por meio da internet entre leitores estrutura uma prática de leitura”. Nas comunidades, essas pessoas discutem não só as histórias, mas mantem contato com, inclusive, com as autoras dos livros. “A formação desses blogs reflete uma tentativa de tentar legitimar suas leituras e diminuir a sensação de inadequação descrita pelas entrevistadas” diz Patrícia.

Mais informações: email patricia.amparo@usp.br 

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