Lisa: o olhar antropológico sobre arte, música e cinema

Este ano o Lisa foi homenageado na Festa de Antropologia Cinema e Arte (FACA) em Lisboa apresentando duas sessões de filmes produzidos por seus pesquisadores.
Foto: Divulgação
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Nos últimos anos, os antropólogos vêm se apropriando cada vez mais do suporte visual para realizar seus trabalhos. Isso estimulou que as pesquisas na área passassem a se voltar também ao estudo da antropologia atrelada ao universo artístico, com destaque para fotografia, cinema e música.

O Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (Lisa) começou suas atividades no início da década de 90, no Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas (FFLCH) da USP. Se naquele momento o intuito era fornecer apoio aos pesquisadores na área da antropologia visual, atualmente o Lisa é um laboratório de referência com reconhecimento internacional.

Este ano o Lisa foi escolhido para ser homenageado na Festa de Antropologia Cinema e Arte (Faca) que ocorreu entre os dias 5 e 8 de março em Lisboa, Portugal. O Faca é um dos principais eventos realizados para refletir sobre o diálogo da antropologia com o campo visual. A programação do festival incluiu duas sessões de filmes produzidos pelo laboratório da FFLCH.

O acervo

Além de um acervo de produções próprias, o espaço físico do Lisa reúne materiais que foram comprados ou trocados com outros centros de pesquisa e que são abertos ao público. De acordo com a pesquisadora Paula Morgado, a videoteca conta hoje com 1650 filmes que foram sendo adquiridos desde 1992.

O material fica disponível em um banco de dados, porém, por enquanto, só pode ser consultado no local. Apesar de ser um acervo aberto, essas produções só podem ser emprestadas para docentes que irão usá-las em aulas ou a alunos da pós-graduação do Departamento de Antropologia. Paula explica que isso ocorre porque o Lisa ainda não tem cópias de seu material, e também por ter poucos funcionários para organizar os empréstimos.

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Os projetos

O Lisa desempenha ainda um papel importante de suporte às produções audiovisuais de pesquisadores ligados ao Departamento de Antropologia da FFLCH. O apoio inclui material bibliográfico, equipe de funcionários e infraestrutura, como as ilhas de edição, que podem ser utilizadas na produção dos trabalhos acadêmicos.

A coordenadora do Laboratório, professora Rose Satiko, ressalta que é importante que o pesquisador participe de todas as etapas de produção. Dessa forma, os funcionários apenas orientam de maneira prática quais são os equipamentos apropriados e como atuar em campo pensando na especificação de cada projeto.

Núcleo de pesquisas

Além dos trabalhos individuais, o Lisa também reúne grupos de pesquisa que trabalham em torno de uma temática específica. Um deles é o Gravi, núcleo de antropologia visual coordenado pela professora Sylvia Caiuby  que relaciona a antropologia ao cinema e à fotografia. Atualmente, o Gravi está desenvolvendo o projeto Experiência do filme na Antropologia, buscando refletir sobre as primeiras relações da antropologia com a fotografia e o cinema – o que se inicia já com o surgimento da máquina fotográfica e do cinematógrafo.

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“A Arte e a Rua”

O Gravi possui cerca de 50 trabalhos finalizados e sete ainda em curso. Uma das produções é o filme “Do São Francisco ao Pinheiros”, dos pesquisadores João Claúdio de Sena e Paula Morgado. O documentário trata de um grupo indígena Pankararu que migra para São Paulo, fugindo da fome, da seca e dos conflitos entre posseiros, e se fixam na favela do Real Parque. Paula comenta que a pesquisa buscou pensar o grupo a partir da sua experiência no sertão e verificar como as novas tecnologias influenciam naquele ambiente.

Já o núcleo de Antropologia, Performance e Drama (Napedra), coordenado pelo professor John Cowart, relaciona o universo antropológico com o teatro. A música também é objeto de estudo da antropologia, e no Lisa é o núcleo de Antropologia Musical (PAM) o grupo responsável por trabalhar com essa temática.

Rose Satiko explica que a organização do PAM, diferentemente do Gravi, não envolve muitos participantes, e as pesquisas em geral são desenvolvidas individualmente – mas não deixam de ser trazidas também para discussão coletiva.

Festa de Antropologia, Cinema e Arte

O festival foi aberto com o filme “A Arte e a Rua”, da coordenadora do PAM. A produção tem como personagens principais os artistas ligados ao Hip Hop da Cidade Tiradentes. De acordo com a autora, o filme começou com o mapeamento sociocultural intitulado “Mapa das Artes de Cidade Tiradentes”, que identificou os grupos de artistas que atuavam nesse bairro.

Depois, o grupo de pesquisadores do Lisa composto por Carolina Abreu, Kelen Pessuto e Vitor Grunval realizou um workshop sobre a experiência laboratório com o uso da imagem na antropologia, apresentando também o laboratório e suas fontes de financiamento, como Fapesp e CNPq.

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“Do São Francisco ao Pinheiros”

Além disso, foram expostas algumas produções do Lisa, como o filme Tribo Planetária, da pesquisadora Carolina Abreu, que faz um estudo da dinâmica de interação das pistas de dança nas festas de música eletrônica. A partir da análise da suas gravações Carolina relata ter percebido que suas escolhas pessoais de enquadramento se mostravam nítidas no vídeo, levando ao questionamento das limitações da objetividade nas narrativas antropológicas.

A discussão da antropologia a partir do universo audiovisual ganhou mais espaço recentemente, mas essa relação existe desde do surgimento do cinema. A professora Rose conta que no final do século 19, em expedições científicas, os pesquisadores já utilizavam o cinematógrafo para realizar pequenos documentários.

O audiovisual passa a ser também reconhecido como parte de uma produção antropológica acadêmica.

Para ela, nos últimos anos a democratização do acesso aos meios de produção e a intensificação das pesquisas dedicadas ao campo do audiovisual contribuíram para os estudos da imagem e do som como forma de linguagem antropológica. “O audiovisual passa a ser também reconhecido como parte de uma produção antropológica acadêmica”, conclui a pesquisadora.

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