Pesquisa na ECA investiga influência da fotografia na pintura histórica

Estudo desenvolvido na ECA mostra como o surgimento da fotografia influenciou pintores brasileiros.

Meire Kusumoto/ Laboratório Agência de Comunicação (LAC) da ECA

Estudo desenvolvido no Departamento de Artes Plásticas (CAP) da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP mostrou que a fotografia, surgida no início do século 19, funcionou como ferramenta para pintores brasileiros como Pedro Américo – autor de Independência ou morte, em exposição permanente no Museu Paulista. De outros, como Victor Meirelles, ela sofreu reticências por ir de encontro aos métodos ensinados na Academia brasileira e nas europeias. Facilitadora ou não desse processo artístico, a invenção da fotografia influenciou na mudança da percepção visual daquelas que produziam ou recebiam imagens.

A pintura histórica, aquela que pretende sintetizar determinado episódio histórico de um lugar, fora pautada desde seu início pelas academias europeias, principalmente a francesa. A trajetória dos pintores que seguiam os ensinamentos dessas escolas era sempre a mesma: primeiro um estudo de pinturas e gravuras dos grandes mestres, com aulas teóricas de história, matemática e perspectiva. Depois, a prática por meio do desenho de esculturas e, por fim, a inserção de um modelo vivo para a construção das obras.

Fábio D’Almeida, o autor da pesquisa, explica que Pedro Américo utilizou em alguns momentos a fotografia para substituir a presença de modelos vivos que posassem para suas pinturas, já que este passou boa parte de sua vida na Europa. A alternativa aos preceitos da academia europeia é clara, pois ela volta a tomar como base uma imagem, uma figura bidimensional. A princípio feito de forma rudimentar, o uso dessa ferramenta foi aprimorado até que Américo conseguiu unir a imobilidade das fotografias ao movimento exigido pela pintura histórica.

Em Batalha de Avaí, obra de 1877 que retrata combate travado durante a Guerra do Paraguai, o Barão Andrade Neves aparece contemplativo, em contraste com o movimento acentuado de seu cavalo, revelando um impasse entre dois esquemas visuais diferentes que compõem essa figura: a ação veemente do animal, herdeira da tradição da pintura, e a passividade do retrato fotográfico, muito comum ainda nas primeiras décadas do meio mecânico. Já em Independência ou morte, de 1888, o pintor parece ter sanado esse problema, coordenando fotografia e pintura em um esquema visual mais verossímil.

A importância da fotografia cresce na medida em que é absorvida não apenas como forma de substituir o modelo vivo, mas como uma ferramenta discursiva. Congeladas, as ações conseguem ser decupadas e transpostas de modo total para o papel. Nesse sentido, os estudos do fotógrafo inglês Eadweard Muybridge, que utilizava várias câmeras para captar as ações de um animal ou homem em movimento, contribuíram para que pintores históricos fornecessem novas resoluções para um problema central de sua profissão: como contar uma história que se dá no tempo, tendo como meio apenas o espaço de uma grande tela?

De fato, o estudo de D’Almeida mostra o contato que Pedro Américo teve com as fotografias de Muybridge e a sua adequação às suas obras pictóricas.

Em sentido contrário, Victor Meirelles é mais metódico e, salvo algumas exceções que faz, descarta a fotografia como instrumento para a pintura histórica. “Ela é vista como ciência e não como arte por muitos, pois carrega um dado mundano ao tentar explicitar o mundo como ele é”, afirma Fábio. Na ausência de modelos vivos, Meirelles usa imagens feitas por outros artistas e manuais de anatomia para formular sua obra. “O resultado final é estranho, passa a impressão de que falta alguma informação”. O pintor constrói Batalha dos Guararapes, que reproduz a expulsão dos holandeses por brancos, negros e índios em meados do século 17, desse modo.

Colocadas lado a lado em exposição de 1879, Batalha de Avaí e Batalha dos Guararapes geraram discussão da crítica na época. Os dois maiores pintores de então exibiam suas obras históricas que apresentavam muitos pontos e símbolos em comum, mas eram, em essência, regidas por processos construtivos muito diferentes.

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