Pesquisadora do MAE estuda semelhanças entre peças arqueológicas e cerâmicas atuais

O estudo inaugurou um novo campo de pesquisa que estabelece relações entre comunidades tradicionais e a Arqueologia Histórica.

Fernando Pivetti / Agência USP de Notícias

Estudo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP fez uma análise comparativa das cerâmicas comercializadas no agreste de Pernambuco e de fragmentos de peças encontradas em estudos arqueológicos na região, datadas do início do século XX. A análise dos cacos cerâmicos encontrados nos estudos arqueológicos revela uma continuidade técnica e uma grande relação das peças com as cerâmicas produzidas atualmente.

A pesquisa de mestrado, realizada pela arqueóloga Daniella Magri Amaral, se baseou em um trabalho de licenciamento ambiental, realizado em 2003, que identificou sítios arqueológicos históricos na cidade de Tacaimbó, em Pernambuco. Nesses estudos, foram encontrados fragmentos cerâmicos, em sua maior parte de cerâmica utilitária, como panelas, potes e vasilhas. A análise comparativa desses fragmentos com os produtos vendidos atualmente nas feiras da região mostrou uma grande semelhança técnica e uma continuidade histórica na produção das chamadas loiças de barro. “Algo surpreendente foi a clara similaridade entre os vestígios de cerâmica do início do século XX e dos produtos confeccionados na atualidade”, afirma a pesquisadora.

Daniella conta que o estudo foi pioneiro na área, pois inaugurou um novo campo de pesquisa que estabelece relações entre comunidades tradicionais e a Arqueologia Histórica. “A proposta era trabalhar com o que chamamos de Etnoarqueologia, que é uma linha de pesquisa que estuda populações atuais pensando em questões da arqueologia. E o estudo sairia da linha de pesquisa mais comum, realizada com indígenas, e focaria nas chamadas populações tradicionais, moradores da região.”

A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas. A primeira fase estava focada na pesquisa arqueológica, realizada em laboratório, onde foram analisados os vestígios cerâmicos encontrados no licenciamento realizado em 2003. A etapa seguinte foi a de estudo etnográfico, que durou cerca de três meses, com a realização de trabalhos de campo não apenas nos sítios arqueológicos, mas em diversas cidades no entorno da região. “Eu fiquei em média duas semanas com cada loiceira (nome dado às ceramistas que confeccionam as loiças de barro), acompanhando toda a produção, desde a coleta do barro até a comercialização”, conta Daniella.

Foram identificadas produção das loiças de barro em sete comunidades diferentes, espalhadas por seis municípios pernambucanos: Altinho, Belo Jardim, Brejo da Mata de Deus, Riacho das Almas, Bezerros e Caruaru. Com exceção de Caruaru, cujo apelo turístico é maior e possui um esquema de produção diferenciado, nas outras comunidades as produções eram tipicamente artesanais e familiares.

Fator Político-social

O estudo também desenvolveu um parâmetro do cotidiano das ceramistas da região e os problemas enfrentados por elas, como a falta de visibilidade e a desvalorização dos produtos comercializados. “O conhecimento da produção cerâmica está em extinção. No muncípio de Tacaimbó, por exemplo, onde foram encontrados os primeiros vestígios, não existem mais pontos de produção e comercialização. Esse técnica em extinção reflete também um modo de vida que está sendo suprimido, pois as pessoas não se interessam mais por esses produtos, o que gera uma dificuldade de sobrevivência das loiceiras, que acabam desistindo dessa prática”, conta a pesquisadora.

Segundo ela, o registro desse conhecimento também funciona como uma tentativa de preservação dessa técnica para as gerações futuras e como subsídio para futuros estudos e trabalhos de arqueologia histórica na região. “A ideia é entender esse conhecimento da manufatura da loiça de barro como um patrimônio imaterial, e tentar estabelecer formas de preservação e continuidade daquele patrimônio, e a pesquisa proporcionou um avanço grande nesse caminho”, afirma.

A pesquisa foi desenvolvida com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e com recursos da empresa de arqueologia Scientia Consultoria Científica, empresa que realizou as escavações nos sítios arqueológicos Tacaimbó 1 e Tacaimbó 2, no município de Tacaimbó, Pernambuco.

Mais informações: email magriamaral@yahoo.com

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