Sobrevivente de Hiroshima estará em Mostra do Cinusp sobre genocídios

Conflitos armados, massacres e genocídios na era contemporânea são tema de próxima mostra no Cinusp.

Apesar dos 89 anos de idade o senhor Takashi Morita possui memórias impossíveis de serem esquecidas. Eram 8h15, no dia 06 de agosto de 1945, quando o jovem soldado de 21 anos viu um clarão e foi arremessado a 10 metros de distância de onde o seu grupo, com aproximadamente 15 soldados, estava anteriormente. Não há dúvidas de que tinha acontecido um ataque. Takashi Morita é um hibakusha, termo japonês utilizado para designar os sobreviventes da bomba de Hiroshima, e estará presente na Mostra do Cinusp Conflitos armadosmassacres e genocídios na era contemporânea no dia 7 de maio, às 19 horas, para a exibição do filme Rapsódia em Agosto.

A bomba explodiu no centro de Hiroshima, a 600 metros de altura. Calcula-se que no hipocentro – o ponto em terra exatamente abaixo da explosão –, a temperatura tenha atingido de 3.000 a 4.000 graus centígrados. Morita, que estava a 1300 metros do hipocentro da explosão, acredita que a sua sobrevivência está vinculada às grossas vestimentas que os soldados utilizavam e, principalmente, a sorte.

O rapaz que havia chegado há poucos dias de Tóquio, onde tinha sobrevivido a um bombardeio que matou quase cem mil pessoas, havia sobrevivido ao que seria um dos maiores atentados à humanidade.

Hiroshima já não era mais a mesma. O prédio de uma escola que se encontrava ao fundo parecia ter sido amassado como uma caixa de fósforos. Havia pessoas gritando, pessoas mortas e carbonizadas, incêndios. “A cidade morreu na hora. Hiroshima virou o inferno”, é a descrição que o senhor Morita dá para cidade segundos após o ataque da bomba nuclear.

Ele se levantou em meio à destruição e, reunindo forças, começou a ajudar os outros. Foram três dias sem comer ou beber nada. “Era indicado para nós não comer ou beber nada , por causa da radiação”, conta Morita.

“Não tinha por onde recomeçar. Todos deixaram a cidade. Falavam que aqueles que sobreviveram e foram expostos a radiação morreriam em dois anos e que nenhuma planta cresceria em Hiroshima por 70 anos”, relembra Morita, quase 60 anos após o ataque.

Chegada ao Brasil

O senhor Morita chegou ao Brasil em 1956, onze anos após a bomba, a convite de um casal japonês que afirmava que o país “era uma maravilha”. O desembarque no porto de Santos, no entanto, deu uma má primeira impressão à família que esperou 45 dias em um navio para ver o ‘paraíso’. “Estava tudo sujo, bagunçado e com mau cheiro. A gente estranhou bastante”, afirma Yasuko Saito, filha de Morita, que na época da chegada ao Brasil estava com 8 anos de idade.

Morita se casou um ano após a explosão da bomba, em 1946. Seus dois filhos vieram em seguida e, felizmente, não possuem sequelas da radiação a que os pais foram expostos.

A família chegou ao Brasil sem saber se comunicar em português e ficou hospedada em um cômodo que o casal que os havia convidado para vir ao Brasil puderam compartilhar com eles.

Recomeçar em um país com língua, costumes e cultura diferente foi um desafio, mas o senhor Morita rapidamente foi contratado para trabalhar em uma empresa de montagem de relógios, ofício que já exercia no Japão. Atualmente a família possui uma mercearia que provê recursos para eles e para a Associação dos Sobreviventes da Bomba Atômica, entidade criada pelo senhor Morita.

A Associação

A associação foi fundada em 1984 por Takashi Morita com a ajuda de mais 27 hibakushas que pretendiam se unir para lutar pelos seus direitos perante o governo japonês, que só cede custeio de tratamento médico aos sobreviventes que residam no Japão.

Quando a associação foi criada, havia no Brasil mais de 300 sobreviventes da bomba atômica, tanto de Hiroshima quanto de Nagasaki. Hoje, eles somam somente 118 sobreviventes vivos. “Esse é um número pequeno para conseguir sensibilizar o governo para a nossa causa, por isso, de um tempo pra cá nós estamos nos reunindo com sobreviventes que moram em outros países para conseguir somar forças”, explica Yasuko.

“Queremos que o governo japonês se responsabilize pelo tratamento médico das pessoas que moram aqui. Se eles forem para o Japão, o governo arca com os custos, tanto da viagem quanto do tratamento médico, mas muitos dos hibakushas não possuem mais condições de estar em um vôo de 24 horas, fora toda a burocracia. Eles estão idosos já e isso tem que ser levado em consideração.”, argumenta Yasuko.

Atualmente, o governo japonês aceitou arcar com os custos dos exames feitos no Brasil, mas não com os custos do tratamento.

Mostra de cinema

O evento é uma atividade produzida pelo grupo de pesquisa “Conflitos armados, massacres e genocídios na era contemporânea” do Diversitas – Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos da USP, em parceria com o Cinusp. O grupo, cuja composição é inter e multidisciplinar, trabalha com o espinhoso tema dos conflitos armados, processos morticidas e genocídios da era contemporânea. Como se trata da primeira mostra de cinema produzida pelo grupo, optou-se por abranger um grande espaço de tempo, o período que se estende da Grande Guerra, em 1914, até o presente, e cuja maior parte (de 1914 a 1989) foi caracterizada pelo historiador Eric Hobsbawm como uma “era de catástrofes”.

“Trata-se de um tema de extrema importância, fundamentalmente porque o período tratado foi palco, além de inúmeros conflitos localizados, de duas guerras mundiais – nas quais tiveram lugar dois genocídios paradigmáticos: o genocídio armênio e o holocausto judeu, e cujo término foi marcado pelos ataques morticidas a Hiroshima e Nagazaki”, explica Rodrigo Medina, coordenador Grupo de Pesquisa Diversitas.

Desta época, o estudioso cita ainda as quatro longas décadas de Guerra Fria, que impôs à humanidade reais possibilidades de destruição civilizacional e que, na forma das ditaduras militares que varreram o Cone Sul, apresentaram ao mundo o fenômeno brutal do “terrorismo de Estado”; e também os conflitos étnico-nacionalistas dos Bálcãs à África (onde se reinventou, por exemplo, o estupro como arma de guerra) e no Oriente Médio, onde segue irresoluto o conflito israelo-palestino.

Para Medina, a possibilidade de discutir esses temas com pessoas que puderam presenciar o fato é de extrema relevância. “Trata-se de uma importante atividade de extensão e que pretende estabelecer um espaço de discussão e crítica sobre temas que não podem, de maneira alguma, cair em esquecimento. Fazê-lo em uma universidade é uma forma de contribuirmos para a realização de uma educação emancipadora e humanística, para pensar o complexo mundo onde relações de poder devem, urgentemente,  ser subvertidas.”

A mostra Conflitos armadosmassacres e genocídios na era contemporânea está em exibição até o dia 17 de maio.
Para acompanhar a programação, veja o site do Cinusp.

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