Professor da Esalq fala sobre os desafios da citricultura

Formado pela Esalq em 1971 e docente da Escola desde 1974, o professor Armando Bergamin Filho fala sobre as pesquisas da área de epidemiologia com foco na citricultura às quais se dedica.

Da Assessoria de Comunicação da Esalq

Quando Armando Bergamin Filho formou-se na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP em Piracicaba, em 1971, e quando ingressou como docente na Escola em 1974, os estudos em epidemiologia de doenças de plantas eram incipientes. Hoje, tratar dos males da agricultura a partir das populações de plantas é o foco das pesquisas nessa área.

O objetivo dessa especialidade da fitopatologia é uma maior compreensão de como funciona uma determinada epidemia, o que possibilita alcançar um controle mais racional, menos agressivo, e, portanto, mais eficiente da doença em questão. Na década de 1970, no Brasil, havia apenas um ou dois pesquisadores dedicados a este tema.

Na fitopatologia da Esalq, desde então, já foram estudadas a epidemiologia de doenças do feijoeiro, da cana-de-açúcar, da seringueira, do dendezeiro, entre outras. A partir do final da década de 1980, ocorreu uma aproximação com o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), quando pesquisadores da área de epidemiologia da Escola passaram a se dedicar às pesquisas com foco na citricultura.

As ações em conjunto contribuíram para manter sob razoável controle, entres outras doenças, o cancro cítrico, vilão dos pomares na segunda metade do século 20. A partir de demandas do setor, pesquisadores da Esalq e do Fundecitrus mantêm, sob coordenação do professor Bergamin, um projeto temático apoiado pela Fapesp, que estuda a epidemiologia molecular e o manejo integrado do huanglongbing dos citros (ou greening) no Estado de São Paulo.

Em entrevista, Armando Bergamin Filho, professor do Departamento de Fitopatologia e Nematologia (LFN), fala do controle regional proposto para o huanglongbing (HLB) e do risco de retorno de altas incidências do cancro cítrico.

Hoje vocês pesquisam o huanglongbing, mas anteriormente o foco foi a CVC (clorose variegada dos citros), a pinta preta, além do cancro cítrico. Mas o huanglongbing tomou conta porque de fato ameaça o futuro da citricultura?

O huanglongbing é uma doença muito antiga, de origem asiática, que foi identificada no Brasil em 2004 e na Flórida em 2005. O que estudamos nesse período e conseguimos comprovar é que a solução do problema é tecnicamente simples: é preciso inspecionar as culturas periodicamente (mensalmente, de preferência) e eliminar as plantas sintomáticas; além disso deve-se pulverizar periodicamente inseticidas contra o inseto vetor do patógeno. É simples, mas não é barato. O problema é que essas ações têm que ser colocadas em prática regionalmente. De nada adianta o produtor fazer na propriedade dele se o vizinho não fizer o mesmo na sua. A maioria das doenças que atacam a laranja são controladas com ações pontuais. O huanglongbing não.

Então o que precisa ser feito?

O mesmo trabalho no vizinho, mas nem sempre isso é possível por diversos motivos. Ou o relacionamento pessoal entre eles não é dos melhores, ou não existe conhecimento técnico suficiente, ou não há condições econômicas para essas ações.

Mas até quando é viável para o produtor eliminar as plantas doentes?

De fato o tratamento é caro, precisa de uma equipe que inspecione constantemente o pomar. O caráter de combate regional é indispensável para a eficiência da ação. Hoje, de modo geral, quem pratica as medidas recomendadas são os grandes produtores e as grandes indústrias, pois de fato têm condições econômicas e capacidade técnica para tal. Em outras palavras, um produtor com cinco mil plantas não tem as condições para manter a inspeção, a erradicação e a pulverização.

Então a questão econômica e geográfica dificulta o combate à doença?

Sim, e eu diria que a dificuldade inclui o aspecto sociológico, das relações humanas. Por isso pensou-se em implementar legalmente esse combate.

Como isso aconteceu na prática?

Foi sancionada uma instrução normativa federal que obriga o proprietário a inspecionar e erradicar as plantas sintomáticas, mas essa portaria nunca foi implementada com eficiência. Hoje, metade do nosso parque citrícola é composto de grandes produtores e a outra metade de produtores com áreas menores, de modo que a tendência de concentração agrária neste setor vem se acentuando.

Fale sobre o projeto temático de combate ao huanglongbing coordenado pelo senhor. Quem está envolvido?

Participam Lilian Amorim, também professora do Departamento de Fitopatologia e Nematologia da Esalq (LFN), Pedro Yamamoto, do Departamento de Entomologia e Acarologia (LEA), pesquisadores do Fundecitrus (Renato Bassanezi, Diva Teixeira, José Belasque Jr., Nelson Wulff e Sílvio Lopes), três consultores externos (Tim Gottwald, dos EUA, Joseph Bové, da França, e Bernhard Hau, da Alemanha), além de estudantes de pós-graduação.

O que de fato pretende este projeto?

O objetivo final é controlar racionalmente a doença. Muitos dos estudos propostos são inéditos. Um aspecto muito importante é quantificar os efeitos do controle regional. Temos áreas experimentais inseridas no interior de uma grande fazenda, com cerca de três milhões de plantas, e que pratica as ações de combate recomendadas (inspeção periódica, eliminação de plantas sintomáticas e controle do vetor) e outras áreas experimentais de mesmo tamanho, localizadas próximas de áreas de pequenos produtores, nas quais não se combate o huanlongbing. O resultado é muito contrastante. Nas parcelas inseridas no grande produtor a incidência da doença é menor que 5%, enquanto naquelas vizinhas às áreas sem controle a incidência chega a 70% de plantas sintomáticas. É o efeito da redondeza do pomar, mostrando que o controle regional é uma estratégia eficaz e que ações isoladas não são eficientes.

O poder público poderia atuar contribuindo com os pequenos?

É difícil porque a ação traria um efeito político negativo. Para atuar com eficiência nas propriedades menores, o governo teria que eliminar as plantas sintomáticas e a mensagem seria entendida, de modo geral, como uma ação do poder público em favor dos grandes produtores em detrimento do pequeno produtor. Esse ônus o governo (federal e estadual) não quer assumir.

A pulverização é realizada só com substância química?

Só com inseticida.

E a questão ambiental não é prejudicada nesse quesito?

O perigo do colapso da citricultura devido ao huanglongbing é tão grande que essa questão não tem sido considerada.

O cancro cítrico também é controlado com erradicação. Qual a diferença em relação ao HLB?

O cancro tem uma disseminação mais limitada, de modo que a erradicação mostra-se mais eficiente. A eliminação de plantas dentro de um raio de 30 metros ao redor da planta sintomática, quando a incidência no pomar é menor que 0,5%, é suficiente. A erradicação foi realizada entre 1957 e 2009 pelo Estado, de modo que a doença manteve-se em níveis baixos. Por motivos obscuros o governo decidiu parar com a erradicação, com o argumento de que a doença estava sob controle, de modo que hoje as plantas com cancro não são mais erradicadas.

E em poucos anos nota-se algum efeito no pomar?

Sim, principalmente com a ocorrência da larva minadora, que fere a planta e abre a porta de entrada no organismo vegetal para a bactéria do cancro. Além disso, quando os talhões inteiros eram eliminados, no caso da incidência exceder 0,5%, o registro de talhões contaminados oscilou em torno de 0,13% nos últimos anos. A partir de 2009, com o fim do combate ao cancro, a curva da doença começa a crescer, de modo que em 2010 o índice subiu para 0,44% e, no final de 2011, já foram registrados 1,05% de talhões infectados. Em outras palavras, o cancro está de volta com força e, a continuar assim, logo será endêmico no Estado.

Neste caso, as questões políticas e econômicas suplantaram a recomendação científica?

No caso do cancro cítrico, em 1999 houve um esforço das instituições científicas, entre elas a Esalq, o Fundecitrus e outras, para modificar a legislação de combate à doença. A modificação proposta foi aprovada e implementada com sucesso. Uma década depois a regra deixou de ser aplicada, sem que a comunidade científica fosse consultada.

O projeto temático de manejo do HLB tem outros focos além do combate regional?

A proposta compreende dez subprojetos que, analisados e conjunto, permitirão um melhor entendimento da estrutura e do comportamento do patossistema huanglongbing dos citros em São Paulo, condição sine qua non para a elaboração de sistemas mais racionais de manejo da doença.

Mais informações: (19) 3447-8613 / 3429-4109, email acom@esalq.usp.br, site www.esalq.usp.br/acom

Scroll to top