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Especial conta história de Alexandre Vannucchi Leme, estudante de Geologia da USP morto pela ditadura militar há 40 anos, e que vive nas lembranças de ontem e hoje.

A formação católica deu a Alexandre a firmeza de convicções baseadas nas noções de dignidade e justiça para todos. Três de suas tias eram freiras, e seu tio Aldo Vannucchi, cônego e professor de filosofia, passara pela prisão em 1964.

“Ele sempre foi um cara de massas, militante do movimento estudantil”, diz Adriano Diogo. Alexandre era de fato ligado à ALN, mas não há testemunhos ou provas que o liguem a ações de guerrilha ou luta armada. Depoimentos o apontam como elo entre militantes presos e dirigentes – uma ponte importante num momento em que a repressão já prendera ou matara centenas de membros da organização criada por Carlos Marighella.

De ações recentes às quais os órgãos de repressão queriam vinculá-lo, Alexandre não poderia ter participado. No final de janeiro de 1973, ele havia sido operado de apendicite, retornando para várias consultas ao longo de fevereiro. Os espancamentos provavelmente provocaram uma hemorragia interna e levaram o jovem recém-operado à morte.

Preso uma semana depois do Minhoca, Mug também foi torturado e passou três meses no DOI-Codi. Conta que foi “recepcionado” pelo comandante do destacamento, Carlos Alberto Brilhante Ustra, que lhe disse: “Acabei de mandar o Minhoca para a ‘Vanguarda Popular Celestial’. E você vai se encontrar com ele lá”. Em 2008, Ustra tornou-se o primeiro militar a ser declarado como torturador pela Justiça brasileira.
Diogo preside hoje a Comissão Estadual da Verdade na Assembleia Legislativa de São Paulo, batizada como Rubens Paiva, homenagem ao deputado federal cassado em 1964 e desaparecido político em 1971. A filha de Rubens, Vera Paiva, professora do Instituto de Psicologia da USP, era caloura da Universidade exatamente em 1973. Vera não concordava com a luta armada e relata que as diferentes tendências que participavam do movimento estudantil debatiam abertamente suas posições – mas todos acompanhavam e cumpriam a decisão da maioria.

A docente conta que jamais se apresentou como filha de um desaparecido. Entretanto, aponta que muitos professores e funcionários sabiam de sua história familiar e criaram situações para expô-la e constrangê-la. “A ditadura civil-militar, como eu insisto em dizer, foi apoiadíssima por professores e pela hierarquia da USP”, afirma. Trinta e nove pessoas vinculadas à USP, entre alunos e professores, estão entre os mortos pelo regime. Em 1976, Vera participou da reconstrução do Diretório Central dos Estudantes da USP, desde então batizado DCE Livre Alexandre Vannucchi Leme.

Para a professora, a combinação entre a impunidade dos agentes do Estado responsáveis por sequestros, tortura e assassinatos na ditadura e a duplicidade de estrutura das Polícias Civil e Militar legou a realidade de violência que a sociedade brasileira vive na atualidade. “A descrição do martírio do Alexandre nos chocava, porque não vivíamos esse cotidiano de violência que é comum hoje”, diz.

Como Alexandre, Herzog e centenas de outros mortos e desaparecidos, Rubens Paiva não teve a oportunidade de se defender num julgamento justo. É num tribunal que a docente gostaria de ver os assassinos de seu pai. “Eles poderiam se defender e explicar quais os seus motivos, e então isso ficaria claro para todo mundo”, diz. Como Vera, Diogo acredita que as Comissões da Verdade possam impulsionar mobilizações que levem o Supremo Tribunal Federal (STF) a reformar a decisão de 2010 que impediu a revisão da Lei da Anistia.

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