Profissional previne e trata complicações que se manifestam na boca como consequência da doença ou do próprio tratamento
Diariamente, Marcos Curi passa pelos quartos do Hospital Santa Catarina, em São Paulo, onde estão internados pacientes graves, muitos deles em decorrência do câncer. “Olá, eu sou dentista”. A frase causa estranhamento, mas ele logo esclarece: está lá para prevenir infecções diversas, que aparecem em especial quando a resistência da pessoa está baixa – e a porta de entrada de muitas delas é justamente a boca. Responsável pelo setor de Estomatologia do serviço de Oncologia do hospital, Curi explica que a presença do dentista é importante em todas as etapas do tratamento, inclusive no diagnóstico.
Para entender o papel deste profissional na assistência ao paciente oncológico, pode-se mencionar os efeitos da quimioterapia na saúde bucal. Uma das opções mais comuns utilizadas no combate ao câncer, a quimioterapia envolve a administração de substâncias químicas que agem não apenas nas células doentes, mas também nas sadias. Um efeito colateral bastante frequente do tratamento é a mucosite, inflamação que pode levar ao surgimento de úlceras na região da boca. “Às vezes a pessoa não consegue falar direito, se alimentar, nem tomar água por causa da dor”, descreve. “E eu tenho recursos para melhorar essa dor, para acelerar a cicatrização e também para prevenir”.
Marcos formou-se em 1989 na Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP. Após a graduação, procurou o Hospital do Câncer (hoje A.C.Camargo Cancer Center) para fazer a residência na área de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial e permaneceu lá por 13 anos. No mesmo local, cursou mestrado e doutorado na área de Oncologia e hoje, paralelamente ao atendimento em seu consultório, ele chefia uma equipe de dentistas no Hospital Santa Catarina, que prestam assistência aos pacientes e desenvolvem pesquisas na área.
As complicações bucais do câncer envolvem, além da mucosite, prejuízo na produção de saliva (xerostomia), tipos diferentes de cárie, entre outras alterações na boca. Mas o trabalho de Curi abarca também a reabilitação de pacientes oncológicos. “Hoje não é mais possível falar apenas em tratamento. Um paciente pode tratar o câncer de boca e se curar, mas ficar desfigurado devido às cirurgias, sem qualidade de vida. Então é preciso pensar na reabilitação dentária desse paciente também”, conta.
Diagnóstico
Extremamente agressivo, o câncer de boca é um dos tipos mais comuns da doença e mais da metade dos casos são diagnosticados tardiamente, reduzindo as chances de sobrevida do paciente e deixando sequelas graves. Mas, segundo o dentista Marcos Curi, este cenário poderia ser diferente: “para examinar o paciente, não é preciso tecnologia, basta luz, espátula e um par de luvas”.
Este tipo de câncer dá seus primeiros sinais com pequenas lesões, facilmente identificáveis em uma consulta ao dentista. “Uma afta comum some depois de alguns dias. Mas qualquer lesão que não suma após mais ou menos 15 dias deve ser investigada”, explica. Por isso, Curi chama a atenção para a necessidade de exames completos na boca, observando, por exemplo, lábios, bochechas, área embaixo da língua e céu da boca, e não apenas a região que originou a queixa do paciente.
Odontologia hospitalar
O trabalho do dentista na oncologia envolve uma área de atuação maior, que é a odontologia hospitalar. Apenas em resolução divulgada em 2015 o Conselho Federal de Odontologia passou a conceituá-la e definir os profissionais habilitados a exercê-la e as áreas de atuação, mas muito antes disso o cirurgião-dentista já estava presente dentro dos hospitais, integrando equipes multidisciplinares. Nos centros cirúrgicos, esse profissional é fundamental em casos de pessoas que sofreram algum trauma na maxila ou na mandíbula – devido a um acidente de carro ou briga, por exemplo. Ou também na correção de uma mandíbula que cresceu demais ou muito pouco. “Parece esquisito para quem nunca ouviu falar, mas há muito espaço para atuar dentro de um hospital”, afirma Marcos Curi.
No caso de pacientes entubados, ou seja, que precisam de auxílio de aparelhos para respirar, o dentista tem o papel de evitar que o tubo leve microorganismos para o pulmão e acabe provocando pneumonia. Curi lembra que os riscos que uma pneumonia desenvolvida na UTI representa são muito elevados, mais um elemento que mostra a importância de um profissional da odontologia no ambiente hospitalar, principalmente com pacientes críticos.
A presença do dentista dentro dos hospitais, por ora, ainda não é generalizada. Mas há sinais do reconhecimento da atuação deste profissionais nas equipes de saúde. Em 2015, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – instituição que regula o mercado de planos privados de saúde no país – passou a incluir o tratamento de mucosite com laser na lista de procedimentos a que os beneficiários dos planos têm direito. “E quem trata é o dentista. Isso é ótimo”, acredita Curi.
[cycloneslider id=”especial-profissoes”]