Partículas da atmosfera amazônica são líquidas

Mas a poluição muda o estado delas para sólidas. Descoberta mostra que é preciso alterar os modelos climáticos.

O estado físico das partículas da atmosfera amazônica são líquidas em 80% do tempo. Mas elas deixam de ser líquidas para se tornarem sólidas quando massas de ar vindas de Manaus contendo poluição urbana encontram essas partículas. É o que mostra um estudo publicado na revista Nature Geosciences, na edição desta segunda, 7 de dezembro. O trabalho também aponta para a necessidade de alteração dos modelos climáticos globais, pois eles são baseados na realidade das florestas boreais da Finlândia, no norte europeu, e não levam em conta as particularidades do bioma amazônico.

“Antigamente pensava-se que essas partículas eram sólidas e que as reações que elas participavam com os gases da atmosfera ocorriam entre o meio sólido e o gasoso. O fato de elas serem líquidas muda todos os mecanismos químicos de reação entre elas e os gases atmosféricos”, destaca o professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física (IF) da USP e um dos coordenadores do estudo GoAmazon2014/15.

O trabalho contou com a participação de uma grande equipe envolvendo pesquisadores da USP, da Universidade de Harvard, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), da Universidade do Estado da Amazônia (UEA) e de outras instituições, e integra o Programa LBA — Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia.

As partículas estudadas pelos cientistas são produzidas por compostos orgânicos voláteis: os monoterpenos e o isopreno. Eles são liberados pelas plantas naturalmente dentro do seu metabolismo, exercem um papel fundamental na regulação do clima da região amazônica e estão ligados aos mecanismos de formação de nuvens e no controle do balanço radioativo da atmosfera. O trabalho elucida, pela primeira vez, os mecanismos de formação dessas partículas, e seu estado sólido ou líquido.

Poluição urbana

Os pesquisadores também constataram que a poluição do ar, entre outras questões, altera profundamente os mecanismos de reações dessas partículas na atmosfera amazônica: de líquidas elas se tornam sólidas.

De acordo com o docente, essas descobertas são muito importantes caso a amazônia sofra um significativo processo de urbanização, pois a poluição poderá alterar fortemente as partículas naturais produzidas pela vegetação local. Porém, ainda é muito difícil prever as consequências disso.

“Um dos próximos passos é inserir a informação de que as particulas são líquidas nos modelos que prevêm a formação de nuvens, a evolução delas e a precipitação, pra ver qual o efeito final causado por esta mudança de entendimento do estado dessas particulas na atmosfera. Mas já começamos os estudos da modelagem que podem prever isso.”

Modelos climáticos e a floresta boreal

Os cientistas também descobriram que há uma diferença fundamental nos mecanismos de formação de nuvens na amazônia, em comparação à floresta boreal da Finlândia: neste bioma, as particulas são completamente sólidas. “O que os modelos climáticos faziam era extrapolar essas medidas para todas as florestas do planeta, incluindo as tropicais. O estudo mostrou que isso é um engano”, adverte o pesquisador. “Na amazônia essas particulas são líquidas por causa da alta quantidade de vapor d’água na atmosfera e do tipo de composto orgânico volátil que produz essas partículas. Portanto, os modelos climáticos globais têm de ser modificados para agora levar em conta essas características”, esclarece.

Artaxo explica que em ambos biomas os compostos emitidos são os mesmos. Mas na amazônia, as emissões de isopreno são muito mais abundantes que as de monoterpenos. Já nas florestas boreais ocorre o contrário: emissoes de monoterpeno são mais importantes que as de isopreno. “Isso acontece por causa do tipo de planta encontrada em cada bioma: as florestas boreais são dominadas por pinheiros; já na amazônia encontramos uma enorme variedade de espécies diferentes de vegetação”, descreve.

Segundo o pesquisador, não se levava em conta as particularidades do bioma amazônico. “Talvez por esta razão modelos climáticos erram muito e são muito deficientes na previsão da taxa de desmatamento da amazônia”, opina.

O estudo Sub-micrometre particulate matter is primarily in liquid form over Amazon rainforest está disponível neste link.

Valéria Dias/ Agência USP de Notícias 

Mais informações: email artaxo@if.usp.br, com o professor Paulo Artaxo

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