Em Bauru, pesquisadores avaliam como anda a audição de músicos

Pesquisadora ressalta também a importância de uma Norma Regulamentadora específica para a classe musical, que se preocupe com a saúde ocupacional desses profissionais.

Assistir a um concerto ou show é, para o público, uma oportunidade de relaxar os ouvidos. Mesmo que nessas ocasiões as pessoas sejam expostas a altos volumes sonoros, que afetam a audição, tal contato não costuma durar mais do que uma ou duas horas.

Mas como anda a saúde auditiva daqueles que fazem dessa exposição diária sua profissão? Ser músico implica ter a capacidade auditiva atingida? Não necessariamente. A idade do instrumentista, seu tempo de exposição ao som e o instrumento que toca podem interferir de diferentes formas na saúde auditiva de uma pessoa. É o que aponta a pesquisa de Karina Aki Otubo, formada em Fonoaudiologia pela Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, e dos professores José Roberto Pereira Lauris e Andréa Cintra Lopes, também da FOB.

Os três ingressaram no universo de um curso de música para analisar o perfil audiológico – uma espécie de Raio-x da audição – de treze estudantes de graduação da Universidade Sagrado Coração de Jesus (USC), de ambos os sexos e com faixa etária compreendida entre 19 e 33 anos. Havia, entre os alunos, quem tocasse bateria, violão, guitarra, piano e, ainda, aqueles que realizavam atividades na área de Educação Musical. Os participantes foram divididos ainda em dois grupos: iniciantes e concluintes. “Fizemos essa separação para comparar como estava a saúde auditiva daqueles entrando e saindo do curso, para acompanhar se houve piora ou não na audição dos estudantes ao longo da graduação”, conta Karina. Era necessário também que os alunos estivessem em “repouso auditivo”, para que não houvesse nenhuma alteração na audição de caráter apenas momentâneo, e que não possuíssem histórico de doenças no ouvido.

Para a obtenção dos dados, os estudantes passaram por uma série de exames, além de entrevistas. Na avaliação audiológica, a Imitanciometria, por exemplo, analisou a região do ouvido médio, onde se localizam os ossículos, os três menores ossos do corpo humano. A Imitanciometria permite verificar o funcionamento do conjunto membrana tímpano-ossicular, que é responsável pela transmissão da vibração do som desde a membrana do tímpano até a base dos ossículos. Seu mau funcionamento gera dificuldade auditiva. “Além disso, o exame fornece registros da contração reflexiva dos músculos da orelha média, que é ativada quando o estímulo sonoro atinge níveis acima de 70-80 decibéis, protegendo as células da orelha interna. Dessa maneira, utilizamos o teste para incluir apenas os participantes com o funcionamento normal do sistema”, explica Karina.

Após exames e entrevistas, a conclusão foi que a audição de todos os participantes se apresentava dentro da normalidade. “Um dos motivos que pode explicar a preservação dos limiares auditivos [mínima intensidade sonora que uma pessoa consegue escutar] é a faixa etária da população estudada e seu tempo de atuação, na maioria dela inferior a dez anos”, explica Karina.

A partir do resultado geral, os pesquisadores destrincharam as análises de cada tópico e indivíduo, chegando a mais conclusões. Evidenciou-se, por exemplo, que o avanço da idade pode contribuir para a diminuição da acuidade auditiva em frequências mais agudas. “De acordo com o avanço da idade, o organismo todo acaba perdendo células, outras envelhecem, e o mesmo acontece com a audição”, compara Karina. Essa perda de audição causada pelo envelhecimento recebe o nome de Presbiacusia.

Na análise individual de Altas Frequências (acima de oito mil hertz), detectou-se, em dois participantes do grupo 1 e em um do grupo 2, a presença de entalhe audiométrico, ou seja, um rebaixamento na capacidade auditiva. A explicação para este fenômeno existir, mas não ser geral, depende de dois fatores: nível de exposição sonora (quantas horas e com que frequência) e susceptibilidade individual. “Se a pessoa tem uma atividade diária muito agitada, toca em bares, na escola, podemos considerar que esse indivíduo se expõe mais. Esses participantes podem possuir também uma maior sensibilidade auditiva. Um indivíduo exposto às mesmas horas e condições que outro pode não sofrer nada e, este, se tiver o que chamamos de audição de vidro ou cristal, sim”, explica Karina.

Um indivíduo exposto às mesmas horas e condições que outro pode não sofrer nada e, e se tiver o que chamamos de audição de vidro ou cristal, sim.

A partir das entrevistas foi possível verificar também uma significativa percepção de nível sonoro intenso em ambientes de apresentação musical, associado ao sintoma auditivo comumente relatado como “zumbido”. Karina conta que todos os estudantes relataram sentir zumbidos no ouvido imediatamente após suas apresentações e um aluno afirmou ainda ter a sensação de zumbido constante. A fonoaudióloga explica que, no zumbido, ainda não aconteceu perda auditiva, mas o ouvido pode estar dando um aviso: “Quando uma célula para de funcionar na cóclea [região da orelha interna], outra tenta ‘cobrir’ aquele lugar e o zumbido acontece exatamente quando uma célula está querendo fazer a função de outra”, afirma.

Por uma regulamentação para a classe musical

Uma das intenções da pesquisa é ressaltar a importância e necessidade, a partir da relevância dos achados auditivos durante o trabalho, da criação de uma Norma Regulamentadora específica para a classe musical, que zele em benefício de sua saúde ocupacional. “Com exceção da Suécia, não existe uma norma assim para músicos, que estipule um nível máximo de exposição diária associada às horas. Atualmente, vemos isso só para trabalha- dores de indústrias”. Mas ela espera também ver o envolvimento de outras áreas da saúde na melhoria da qualidade de vida dos músicos.

Com exceção da Suécia, não existe uma norma assim para músicos, que estipule um nível máximo de exposição diária associada às horas.

Profissionais de Terapia Ocupacional e Fisioterapia poderiam contribuir, por exemplo, com a postura dos instrumentistas que, se não for correta, pode gerar muitas dores e prejudicar seu próprio trabalho. Karina cita ainda a participação da Odontologia, que exigirá uma área específica para músicos que tocam instrumentos de sopro. “Como ainda não existe essa Norma, procurei avaliar os músicos não só em sua parte auditiva, porque há outras áreas em que eles também necessitam ter saúde e qualidade”, diz Karina.

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